O Tribunal da Relação de Lisboa ordenou, no início deste mês, a libertação de Fábio Semedo, um dos três arguidos do caso da maior brula online em Portugal, revelado pela VISÃO, que, no final do julgamento, foi colocado em prisão preventiva.
A 24 de outubro de 2023, os juízes João Rodrigues, Catarina Caramelo e Tânia Gomes, do Juízo Central Criminal de Lisboa, decidiram todos os mais de 100 arguidos do processo, com especial censura para os líderes do esquema que, através da obtenção de dados bancários, enganou mais de 100 pessoas.
Luís Felício a 14 anos de cadeia, Luís Alvarenga – que se encontra no Brasil – foram condenados a 13 anos de cadeia, Gilmara Marinho 9 anos (que se mantêm em prisão preventiva), e Adriana Ferreira 8 anos. Por sua vez, outros intervenientes no grupo, como Eliana Cardoso, Nuno Bandarra e Fábio Semedo foram condenados também a oito aos de cadeia. A estes três últimos arguidos – que se encontravam em liberdade – o tribunal decretou a prisão preventiva.
Foi, precisamente, o arguido Fábio Semedo quem recorreu da medida de coação aplicada no final do julgamento e obteve ganho de causa no Tribunal da Relação de Lisboa. Já sujeito, desde agosto de 2023, à proibição de saída para o estrangeiro, com a apreensão do passaporte, o advogado deste arguido alegou que a nova medida de coação era “injusta, discriminatória” e merecia ser “reformada”. “A decisão da prisão preventiva não foi amparada em qualquer facto novo ocorrido após a última revisão do estatuto cativo, pelo que inexistência qualquer agravamento das exigências cautelarem”, alegou Pedro Pestana.
Considerando que a medida de coação imposta no final do julgamento foi “manifestamente infundada, por falta de pressupostos legais justificativos da sua legalidade, adequação e proporcionalidade”, Pedro Pestana considerou que o tribunal deveria fazer valer o princípio “rebuc sic stantibus”, isto é, que a medida de coação imposta, em agosto de 2023, deveria manter-se enquanto não houvesse uma alteração de circunstâncias.
“E a nosso ver, assiste-lhe razão”, concluíram, a 9 de janeiro, as juízas desembargadoras Ana Cláudia Nogueira, Mafalda dos Santos e Luís Alvoeiro da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa. Para as magistradas, nunca o tribunal de primeira instância sequer equacionou, durante o julgamento, um eventual perigo de fuga do arguido para lhe aplicar uma medida de coação mais grave. Aliás, o próprio Fábio Semedo esteve presente em todas as sessões do julgamento que o condenou. “Não pode agora, de forma presuntiva, considerar-se existente só porque ocorreu uma condenação em prisão efetiva em primeira instância”, referiram as juízas.
As desembargadoras desvalorizaram ainda uma comunicação da GNR, dando conta da falta a apresentações periódicas de Fábio Semedo, porque, naquela data, setembro de 2023, o tribunal de primeira instância já tinha extinguido esta medida de coação. “Neste quadro, e mesmo que confirmadas as referidas faltas, tendo o arguido comparecido regularmente às sessões de julgamento, e mantido durante os dois anos seguintes um cumprimento regular daquele medida coativa, não vemos como das mesmas pudesse extrair-se um agravamento das exigências cautelares na vertente do diagnosticado perigo de continuação de atividade criminosa, o único que sempre fundamentou a aplicação de medidas de coação ao arguido recorrente”, acrescentaram ainda as juízas.
“Nem o perigo de fuga pode resultar, sem mais, de uma presunção ou ficção a partir da condenação do arguido numa pena efetiva de prisão, nem a incompreensão da comunidade pela discrepância entre medidas coativas aplicadas a uns e outros arguidos é critério do perigo e perturbação da ordem e tranquilidade públicas”, concluíram Ana Cláudia Nogueira, Mafalda dos Santos e Luísa Alvoeiro.
Segundo a acusação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, entre 2009 e 2014, Luís Felício convenceu Francisco Alvarenga, cidadão brasileiro, com quem viria, em 2019, a montar o esquema de burla, conhecido por phishing. Numa primeira fase, descreve a acusação do DCIAP, “atuaram sozinhos”, mas rapidamente perceberam que teriam de recrutar mais pessoas para a “firma”, expressão utilizada por um dos recrutadores, Fábio Semedo, numa escuta telefónica.
Aliás, os vários intervenientes no esquema de burla até tinham designações para Francisco Alvarenga, o “patrão”, e para Luís Felício, o “sócio do patrão”. A rede contava ainda com Gilmara Marinho (a “dona da cena”), a quem competiria “coordenar a atuação” de outros recetadores de “mulas”, como Adriana Ferreira, Eliana Cardoso e Nuno Bandarra, além Fábio Semedo.