“Bolinhos e bolinhós/Para mim e para vós./Para dar aos finados/Qu’estão mortos, enterrados./À porta da bela cruz/Truz! Truz! Truz!/ A senhora que está lá dentro/Assentada num banquinho./Faz favor de s’alevantar/P’ra vir dar um tostãozinho.”
A cantilena é antiga e quem a decorou espera receber em troca alguma coisa e agradecer dizendo: “Esta casa cheira a broa/Aqui mora gente boa./Esta casa cheira a vinho/Aqui mora algum santinho”. Debaixo da língua traz mais uns versos, apropriados para responder aos que nem chegam a abrir-lhe a porta: “Esta casa cheira a alho/Aqui mora algum espantalho./Esta casa cheira a unto/Aqui mora algum defunto”.
Reza a história que o Pão por Deus tem raízes num ritual pagão do século XV que foi cimentado um ano depois do terramoto de 1755. Nesse dia 1 de novembro, a população mais pobre de Lisboa terá aproveitado para sair às ruas e bater à porta dos mais afortunados, e, assim, mitigar um pouco a fome.
A tradição manteve-se ao logo dos tempos, sobretudo fora das grandes cidades, e com duas alterações significativas. O “peditório” passou a ser feito apenas por crianças, e, em vez de pão, os donos das casas dão hoje bolinhos, romãs e frutos secos (em Trás-os-montes, por exemplo) ou doces e guloseimas. Para gáudio de uns poucos, também há quem dê dinheiro.
Por isso, já sabe: se um grupo de miúdos lhe bater à porta esta quarta-feira, exija-lhes que façam como deve ser. Cantarolando os versos do início deste artigo ou, a bem da tradição, que digam pelo menos: “Pão por Deus/Fiel de Deus./Bolinho no saco/Andai com Deus.”