Uma amiga falou-lhe dele: um industrial bem-parecido, com filhos criados e netos, e um relacionamento que ia de mal a pior. Ângela, 65 anos e técnica de saúde, estava longe de imaginar que haveria de cruzar-se com Manuel, numa cerimónia, em Lisboa. A amiga pediu-lhe para os fotografar, e, logo ali, houve faísca: “Tinha-o visto uns minutos antes, pareceu-me bonito e simpático, tínhamos quase a mesma idade e ficámos um bocado a conversar.”
Dois anos depois, Ângela teve um problema de saúde e ficou internada. A notícia chegou a Manuel, que arranjou o contacto dela e lhe ligou. Ambos já estavam separados e foram ficando cada vez mais próximos. “Ele é atento e disponível, e percebemos que nos dávamos lindamente”, conta.
Há ano e meio, foi a vez de Manuel ter um problema de saúde, o que aproximou mais o casal: “Temos uma ligação forte, mas sem compromisso; falamos todos os dias e estamos juntos ao fim de semana, só que, depois da relação anterior, ele teme voltar a sentir-se numa prisão.” Mesmo assim, está grata: “Este amor inesperado é mais maduro. Há partilha de afetos, liberdade individual e espaço para planos de viagem.”
Nem tudo são rosas
É assim que os seniores, ou, melhor, os seenagers (seniores com espírito de teenagers), se aventuram, com renovado encanto, nos trilhos do coração. Estamos a falar da geração dos baby boomers e da precedente. Segundo as estimativas do Instituto Nacional de Estatística para 2022, os portugueses com 60 e mais anos representam 31% da população residente. Destes, cerca de 13% têm entre 60 e 69 anos, altura em que se reformam e ganham mais tempo para a vida social e privada.
Dos 4 745 casamentos realizados no ano passado entre os maiores de 60, grande parte (74%) foi na sexta década de vida. Os dados dos Censos 2021 permitem dizer que, dos 60 anos em diante, 44% eram solteiros, 8% estavam divorciados e outros 8% viúvos. Neste segmento, a desproporção entre homens e mulheres é gritante (mais de 80% de mulheres para menos de 20% de homens), levando a crer que encontrar o amor é mais desafiante em Portugal, por vários motivos.
Ora, uma das razões foi identificada num estudo europeu sobre Saúde Sexual no Envelhecimento, que envolveu uma amostra de adultos entre os 60 e os 75 anos, em cinco países. Ana Carvalheira, investigadora do ISPA – Instituto Universitário, que fez parte da equipa, nota que os dados da subamostra portuguesa se diferenciam das restantes (Noruega, Dinamarca, Bélgica e Croácia) pela diminuição da satisfação sexual e relacional, o que intrigou os colegas.
A psicóloga e sexóloga explica: “A rede social e a identidade, muito associadas à profissão, perdem-se após a reforma, o que pode levar à depressão, pela falta de propósito.” Isto sem contar com o nível de vida, o valor das reformas, a assimetria demográfica e os estereótipos: “Ninguém as ensina a envelhecer, e as campanhas anti-aging não ajudam, dando a ideia de que o amor e o sexo são para os jovens, o que se traduz num processo de desqualificação, sobretudo para as mulheres das classes média e baixa.” As aplicações de encontros nem sempre funcionam, por “falta de verba ou pelo desgaste que trazem”, referiram-lhe já, em consulta.
Apps, sim, mas…
Há quatro anos, um inquérito sobre as apps e sites de encontros, realizado pela Deco Proteste, com uma amostra de participantes com idades entre os 18 e os 69, mostrou que só 9% estavam inscritos e com uso ativo. Sobre os motivos para não contarem com estes “cupidos virtuais”, mais de 45% apontam que nunca pensaram nisso e 38% dizem que não estavam “no ativo”.
Outros tinham medo (7%), achavam que estas aplicações não resultam (6%) e que não eram a via para um relacionamento estável (5%), ou então não existiam na altura (4%). E apesar de 29% terem recorrido às apps para ter um parceiro amoroso, quase metade (43%) não se encontrou com ninguém.
O especialista em Sociedade Digital, Pedro Mendes, nota que “não dispomos de dados para pessoas com 60 ou mais anos” e que “as apps mais populares foram o Bumble, o Tinder e o Badoo.” Talvez menos para os seniores.
Alexandra Dias, do Bumble, referiu à VISÃO que “a app está direcionada para a geração Z e millennials”. Rui Sousa, do Felizes.pt, fez saber que 43 anos é “a média de idades dos utilizadores”. O site Kismia, que contempla este grupo etário, afirmou ter 5 700 utilizadores portugueses e, neste ano, “dos 56 que saíram do site assinalaram a opção ‘encontrei o amor’”.
A gente vai continuar
As redes sociais serão os novos casamenteiros, e apps e sites continuam a expandir-se, mas as questões culturais moldam as preferências. Na China, e segundo um artigo recente no The Economist, os idosos sós tornaram as apps populares, específicas para a sua faixa etária, que coexistem com transmissões ao vivo.
Meio milhão de pessoas navega em “salas”, nos seus telefones, e o matchmaking é mediado por um anfitrião, que partilha contactos se o interesse for mútuo. Uma transmissão ao vivo, que evoluiu para show de namoro, como o Not Too Late After All, permite fazer perguntas pragmáticas aos potenciais parceiros (se têm pensão, casa, filhos, questões de saúde ou amores prévios).
As redes sociais, apps e sites de encontros não destronaram outras vias mais convencionais, que incluem o círculo de amigos e as agências matrimoniais
Por cá, a agência matrimonial Amore Nostrum, com oito delegações, assiste a um aumento de pedidos, também de pessoas mais velhas. “Procuram-nos pelo atendimento presencial, seguro e sem exposição pública, algo que não encontram noutras plataformas”, esclarece Cláudia Barrocas, consultora da agência de Lisboa. A partir dos 60 anos, “a taxa de sucesso é de 89%, por serem mais flexíveis e estarem dispostos a investir esforço e dedicação numa ligação estável.”
O serviço não será para todos (a inscrição custa €500), e o acompanhamento personalizado é feito por profissionais de psicologia e apoiado em testes. Os candidatos recebem três perfis, em média; o selecionado é contactado pela agência e convidado a ter um encontro lá: “O casal conversa em privado, numa sala, durante 45 minutos, reflete se deseja, ou não, avançar e, se o ‘sim’ for mútuo, os dois podem sair juntos; se não, segue-se para uma nova apresentação.”
Divorciada há quatro décadas, Anabela (nome fictício) tem 75 anos, reformou-se há cinco e cansou-se de viver sozinha. A agência foi a solução para “ter um serviço de confiança e encontrar companheiro”.
Conheceu Francisco, um eletricista reformado, viúvo e três anos mais velho, que vive na Margem Sul. “Se não houvesse uma atração, não havia nada”, recorda. Após alguns meses, propôs-lhe viver na casa dele. Ela foi. Custou-lhe, mas não se arrepende: “É muito compensador ter uma boa companhia.”
Partilham refeições, vão juntos ao médico, respeitam as “manias” de cada um: “Ao serão, ele vê os programas de televisão dele e eu vou para outro sítio ver os meus. A seguir, dormimos juntos.” Anabela só se aflige com “os achaques de saúde, que nos acontecem aos bocadinhos”, mas haja estrada para andar…
Os novos desafios dos “seenagers”
As circunstâncias e as prioridades de uma etapa de vida única
O que muda
Oportunidades
Maturidade: já se sabe o que e como se quer
Tempo: há vida para lá do trabalho
Liberdade: menos pressões (ter parceiro, filhos, carreira)
Sexualidade: abertura a outras formas de prazer e de carinho
Desafios
Saúde: doenças crónicas, alterações sexuais (ereção / lubrificação, mas há soluções)
Disparidade de género: a demografia e as questões socioculturais afetam mais as mulheres
Estereótipos: estigma da idade e culto da imagem
Estatuto: se o sentido de vida só vier do trabalho, a reforma pode ser sentida como uma perda
Amor: guia de viagem
A evitar
Forçar: tentar encaixar-se estraga a experiência
Namorar com um ex: pode funcionar, mas pode ser arriscado
Após divórcio / luto: não avançar sem se curar feridas e perdas
A ter em conta
Sem pressas: permita-se ter tempo para descobrir o que gosta
Valorizar-se: dê-se crédito para voltar “ao ativo”, sem medos
Ser genuíno: atitude franca e sem dar falsas expectativas
Segurança digital: cuidado na partilha de dados (redes sociais e apps)