“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”. Foi com expressões como esta que o juiz Joaquim Neto de Moura marcou os últimos anos da justiça portuguesa, o que lhe valeu várias críticas públicas e um processo disciplinar. Esta mês, o magistrado judicial, colocado no Tribunal da Relação do Porto, reformou-se ou, como se diz na magistratura, jubilou-se.
De anónimo juiz no TRP, Joaquim Neto de Moura, 67 anos, passou, em 2019, a figura pública devido a um acórdão do qual foi relator e que versava sobre um caso de violência doméstica. Em causa estava a condenação a pena suspensa de dois homens, o marido e o amante, pelo crime de violência doméstica contra uma mulher, em Felgueiras. A vítima recorreu para a Relação do Porto, que manteve a decisão de primeira instância.
Mas, a indignação geral surgiu na sequência, não da decisão em si, mas das várias considerações que, ao longo do acórdão, Neto de Moura fez sobre o papel da mulher: “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”.
A partir do momento em que tais afirmações foram reveladas pelo Jornal de Notícias, iniciou-se uma espécie de caça às decisões do magistrado.
“Repare-se que em quase todas as situações de violência física exercida sobre a ofendida S… as consequências foram sempre de pouca monta, não indo além de uns pequenos hematomas e escoriações (veja-se, por exemplo, as lesões sofridas em consequência dos factos ocorridos no dia 05.05.2008)”. (Tribunal da Relação de Lisboa, novembro de 2010)
“Uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral. Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira, para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus-tratos. Que pensar da mulher que troca mensagens com o amante e lhe diz que quer ir jantar só com ele ‘para no fim me dares a subremesa [sic]’” (Tribunal da Relação de Lisboa, janeiro de 2013)
“Este caso está longe de ser dos mais graves. A única situação, devidamente concretizada, de violência física (aquela que, normalmente, é mais grave e tem consequências mais nefastas) é a ocorrida em Abril ou Maio de 2016, em que o arguido desferiu vários socos em C…, atingindo-a nas diferentes zonas da cabeça, incluindo os ouvidos, provocando-lhe perfuração do tímpano esquerdo, além de edemas, hematomas e escoriações”. (Tribunal da Relação do Porto, outubro de 2018)
A carreira na magistratura de Joaquim de Moura – que após a polémica dos acórdão passou a assinar as decisões como Joaquim Moura – iniciou-se em Viseu, passando em seguida por Miranda do Douro, Vouzela, Ponta do Sol, São Vicente, Funchal, São Pedro do Sul, Bragança, Santo Tirso e Loures (neste caso, durante dez anos), até ascender à categoria de desembragador, primeiro no Tribunal da Relação de Lisboa e, depois, no do Porto, como a VISÃO revelou num extenso perfil do magistrado.
O caso de Felgueiras deu origem a um inquérito disciplinar no Conselho Superior da Magistratura, que o condenou a uma pena de advertência. Neto de Moura ainda recorreu da sançar disciplinar para o Supremo Tribunal de Justiça, mas os conselheiros confirmariam a decisão do órgão de gestão e disciplina dos juízes:
“Nos acórdãos relatados pelo impugnante e considerados no âmbito do processo disciplinar, foram utilizadas ‘ expressões impróprias (…) desnecessárias e lesivas da dignidade pessoal e da consideração social’ das pessoas que se encontrem nas situações consideradas no acórdão, ‘cuja utilização lesa a imagem de ponderação, de moderação e de imparcialidade que o sistema de justiça deve transmitir à sociedade”.
Na sequência de toda a polémica, Neto de Moura manifestou a intenção de avançar com várias queixas-crime contra jornalistas e humoristas (ver vídeo). Em 2019, o seu advogado, Ricardo Serrano Vieira, antecipava 20 queixas, mas até ao momento desconhece-se se as mesmas foram apresentadas e qual o resultado final.