A 12 de janeiro de 2006, Manuel Alegre decidiu pisar “solo sagrado”: no roteiro da sua campanha presidencial incluiu uma “peregrinação” a São Martinho de Anta, “berço” de Miguel Torga, pseudónimo literário do otorrinolaringologista Adolfo Rocha, de quem fora íntimo amigo e leitor compulsivo no exílio.
As portas da humilde casa familiar do escritor nunca se tinham aberto para tal. Mas Clara Rocha, filha do escritor, franqueou-as ao candidato e à comitiva: pôs a lareira a crepitar, serviu cálices de “vinho fino” e enxugou os olhos vermelhos do choro. Alegre, que antes beijara a testa do busto de Torga na praça principal, também se emocionou: recordou o “pai espiritual”, a quem fora pedir “a bênção”, e proclamou: “Poucos, ao longo da História, simbolizaram tanto a portugalidade e a Pátria como Miguel Torga.” E dali saiu em fúria com os repórteres que, ao invés de valorizar “o raro privilégio” de ali estarem, insistiam em obter mais uma frase de refrega eleitoral ou de remoque aos adversários.
