O ano era 1966 e, ao contrário do que se passa atualmente, correr não era uma atividade disponível para todos. As mulheres eram impedidas de participar em provas oficiais de corrida, já que esse desporto era considerado pouco feminino, e foi contra isso que Roberta Gibb, conhecida por Bobbi Gibb, na altura com 23 anos, se insurgiu.
A norte-americana, que se tinha preparado durante dois anos para competições deste nível, tendo realizado treinos de quase 50 quilómetros, decidiu correr a maratona de Boston em 1966, tentando inscrever-se por escrito. Do mesmo modo, recebeu a resposta: “Esta é uma corrida só para homens. As mulheres não estão autorizadas a competir, e além disso não são fisiologicamente capazes”.
A proibição não desencorajou Gibb, que estava decidida a provar que as mulheres eram capazes de realizar os mesmos desportos que os homens, e que os podiam, além disso, praticar juntos. Viajou de autocarro durante quatro dias, de San Diego, na Califórnia, para Boston, em Massachusetts e, no dia da maratona, vestiu uns calções do irmão e uma camisola com capuz e foi até à zona de partida.
A jovem escondeu-se atrás de uns arbustos, esperou que a prova iniciasse, deixou passar alguns atletas e, depois, saltou para o meio da multidão de homens. Não tardou a começar a sentir demasiado calor devido à camisola, mas pensou que se a tirasse ia ficar claro que eram uma mulher e que então a forçariam a sair da prova. Mas não foi isso que aconteceu. Mesmo antes de despir a sweatshirt, os atletas perceberam que não era mais um homem, mas a reação não foi nada a Gibb antecipara – disseram-lhe que não deixariam ninguém interferir com a sua prova. E, assim, a única mulher a correr tirou a camisola. Quando a multidão percebeu que era uma mulher, a euforia foi geral.
Durante quase toda a prova, correu sem limitações e apesar de, já próximo da meta, ter começado a sentir grandes dores nos pés, devido às bolhas provocadas pelo calçado de homem que usava, conseguiu terminar em 3h21 minutos.
Numa entrevista à ESPN, a atleta contou que os corredores ao seu lado encorajaram-na a continuar a prova, garantindo que não iam permitir que fosse expulsa. “As pessoas não têm noção de como era na altura. Era difícil para uma mulher tornar-se médica ou advogada, ter um negócio, viver por conta própria. Uma mulher não podia fazer uma hipoteca ou ter um cartão de crédito no seu nome. Era mesmo claustrofóbico”, explicou, à mesma cadeia.
No ano seguinte, Gibb voltou a participar na maratona, novamente sem um dorsal que confirmasse formalmente a sua participação, tendo acabado a prova em 3h27 minutos – o mesmo ano em que Kathrine Switzer, que ficou conhecida por ter sido a primeira mulher a participado nesta competição com dorsal (conseguiu inscrever-se com o nome K.V. Switzer, levando a organização a pensar que era um homem), foi quase expulsa por um dos diretores da competição, Jock Semple, que tentou arrancar-lhe o dorsal com o número 261 à força, sem sucesso.
Só cinco anos depois, em 1972, é que a participação das mulheres foi formalmente aceite nesta prova, tendo-se tornado o primeiro grande evento deste género a aceitar atletas do sexo feminino. Sete anos depois, a Associação Internacional de Federações de Atletismo passou, também, a aceitar provas mistas sob a sua jurisdição.
Já em 1984, em Los Angeles, aconteceu a primeira prova de maratona feminina, que significou também o primeiro reconhecimento olímpico para Portugal de uma mulher, com a medalha de bronze conseguida por Rosa Mota.
A atleta conseguiu terminar a prova em 2:26:57, ficando atrás de Joan Benoit, dos EUA, e de Grete Waitz-Andersen, da Noruega.
Ao longo do tempo, a história de Switzer foi sendo mais reconhecida e comentada do que a de Gibb, já que as fotografias de Semple a empurrar Switzer no meio da prova receberam rapidamente mediatismo – nesse dia, Semple foi travado pelo namorado da atleta, Tom Miller, que o empurrou.
Contudo, Bobbi Gibb ficará na História como a primeira mulher a acabar a Maratona de Boston, uma das mais importantes provas desta distância a nível mundial. Mais tarde, a atleta recebeu medalhas de vencedora das edições de 1966, 1967 e 1968, e em 2016 foi homenageada no local da prova, tendo cortado simbolicamente a fita da meta.
A atleta, agora com 80 anos, formou-se em ciências e direito e dedicou-se à escultura, além de ser investigadora na área da neurociência na universidade da Califórnia. E, claro, continua a correr.
O momento que a tornou conhecida ficou lá atrás (mas não muito), e a atleta descreveu-o como sendo “maior do que ela”, um símbolo de luta por todas as mulheres, as do futuro mas também as que batalhavam, há anos, pela igualdade de direitos em vários campos da sociedade.
“Em adolescente, via uma série de donas de casa suburbanas infelizes a tomar tranquilizantes e a beber para aliviar a dor de não serem elas próprias. E agora, ainda por cima, nem sequer podíamos correr?Vi que este momento era maior que eu. Quando o fizesse, não iria apenas mudar as regras, mas também mudar atitudes”, referiu a atleta.