“Trilogia das Sombras” é o resultado de uma ‘semente’ plantada em 2019, num concerto que os dois guitarristas, e irmãos, enquanto Mano a Mano, fizeram no Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, recordaram os dois em entrevista à agência Lusa.
“Desafiámos uns arquitetos amigos nossos para fazerem a cenografia, os Ponto Atelier, que, inspirados pelo [livro] ‘Grande Herbário de Sombras'”, de Lourdes Castro, “usaram como pano de fundo uma série de plantas por detrás da tela”, recordou André.
Foi nessa altura que os dois começaram a “conhecer um bocadinho melhor a obra” da artista, sua conterrânea, e ficaram “com vontade de ir mais a fundo”, de “trabalhar através da obra da Lourdes”, e deixarem-se “inspirar”.
Quando Lourdes Castro morreu, em janeiro do ano passado, aos 91 anos, decidiram que era altura de avançarem com a ideia. “Até porque já íamos tarde”, disse.
Começaram então a “entrar mais a fundo na obra” e a “ouvir e ver conversas e entrevistas”, para conhecer “não só a obra, mas também a pessoa”.
Os dez temas que compõem “Trilogia das Sombras” foram inspirados na obra, “mas também na vida” de Lourdes Castro, daquilo que os dois foram “conhecendo através de outras pessoas”, referiu Bruno.
O documentário “Pelas sombras”, de Catarina Mourão, do qual foi retirado um excerto, em que se ouve a voz de Lourdes Castro, usado no tema “Murmúrios do mar embalam os calhaus”, e José Tolentino de Mendonça, que conheceu a artista e “tem muita coisa escrita sobre ela”, foram cruciais.
Além da obra e da vida, André e Bruno foram influenciados pela maneira como Lourdes Castro “vê a Arte”.
“Ela dizia que a Arte era o dia-a-dia, era fazer bem. Fazer bem e fazer até ao fim. Não via a Arte como uma coisa suprema ou só ao alcance de alguns, e é um bocadinho a maneira como nós pensamos a música. Além disso, usarmos os cordofones madeirenses vai ao encontro daquilo que a Lourdes diz de usar elementos populares e da raiz”, recordou Bruno.
André lembra que, nos últimos anos de vida, Lourdes Castro “praticamente não expôs nada, não fazia nada em museu, e o Tolentino contava que, nos passeios que davam no jardim de casa dela, ela dizia ‘as pessoas vêm muitas vezes aqui visitar-me e estamos a passear no jardim e dizem: ‘Lourdes nunca mais fizeste nada, nunca mais criaste nada’, e não percebem que estão a andar na maior criação que fiz nos últimos anos, que é este jardim'”.
“Tudo para ela era uma criação, e o jardim era para ela a obra mais preciosa. E essa maneira de ela ver a vida e a Arte é muito inspiradora. Tudo isso ajudou-nos como rampa de lançamento de criação”, disse.
Com todos estes elementos, a música “foi acontecendo naturalmente”, acrescentou Bruno.
A dada altura perceberam que editar “Trilogia das Sombras” como um “disco convencional” seria redutor, como afirmam.
“Fomos falando nesta possibilidade do livro de artista, que era uma coisa que a Lourdes fazia, em que bordava coisas, colava coisas, pintava coisas. Começámos a pensar nisso como hipótese e foi quando desafiámos a Carla Cabral, uma artista plástica madeirense que adora a obra da Lourdes Castro, a conceber este pequeno livro”, contou Bruno.
Nessa fase, volta a entrar o cardeal José Tolentino de Mendonça, nomeado no ano passado, pelo Papa Francisco, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, que, tal como André e Bruno Santos e Lourdes Castro, também é originário da Ilha da Madeira.
“Ele era o padre da paróquia da freguesia da nossa avó materna. Sempre fomos ouvindo falar nele, mas só tivemos oportunidade de o conhecer há uns quatro, cinco anos. Tivemos um encontro muito especial com ele, uma bela conversa. Tínhamos uma missão de trabalharmos juntos numa outra coisa, e quando surgiu esta ideia da Lourdes, sabendo do entusiasmo do Tolentino pela obra dela, decidimos convidá-lo e ele aceitou”, recordou André.
Em “Trilogia das Sombras”, Tolentino de Mendonça participa “emprestando algumas palavras que já tinha escrito sobre a Lourdes e escrevendo também um texto que faz parte do livro-disco”.
“Enviei-lhe uma canção, dizendo que imaginava a voz dele, não sabia a fazer o quê, num determinado momento da canção. E ele retribuiu, com o poema, ‘Lourdes Castro, Rua da Olaria’, que recita, e sugeriu até o nome do tema, ‘Uma espécie de pacto'”, contou.
O álbum, cuja edição de autor conta com o apoio da Câmara Municipal do Funchal e do Fundo Cultural da Sociedade Portuguesa de Autores, será apresentado ao vivo num espetáculo multidisciplinar, para o qual os dois guitarristas convidaram os Ponto Atelier, quem lhes “plantou a semente” em 2019, para fazer a cenografia.
Além disso, haverá “projeções inspiradas na obra da Lourdes Castro” e, “inspirado pelo teatro das sombras”, atrás de uma tela, estará Tiago Martins, professor da prática física Movement, “a interagir com a música”.
O primeiro espetáculo está marcado para o dia em que é editado “Trilogia das Sombras”, a próxima sexta-feira. Será no Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal.
Depois, “haverá mais datas”, estando já assegurado que o novo espetáculo de Mano a Mano passará pelo Centro Cultural de Belém, em Lisboa, em fevereiro de 2024.
JRS // MAG