“Que grande exemplo de fé de amor e de obediência”. A reação do ex-deputado do CDS Pedro Pestana Bastos resume as muitas centenas de reações nas redes sociais de apoio ao pároco da Igreja de São Nicolau e da Igreja da Madalena, na capital, padre Mário Rui Pedras, que é um dos quatro membros da Igreja Católica afastados pelo Patriarcado de Lisboa, por suspeita de abuso sexual.
Nas últimas horas, toda uma ala muito conservadora da sociedade saiu em defesa do pároco, aproveitando o facto de este ter colocado uma extensa mensagem no perfil da Paróquia de São Nicolau no Facebook, onde se afirma difamado e chocado com o que o cardeal de Lisboa, Manuel Clemente decidiu. Há mesmo quem avente até a possibilidade de tudo não passar de uma cabala contra o sacerdote, como sugere Margarida Oliveira, a médica a quem o Conselho Disciplinar da Zona Sul da Ordem dos Médicos aplicou uma pena de suspensão, por ser uma das médicas fundadoras do movimento negacionista da Covid-19 “Médicos pela Verdade”.
À beira dos seus 70 anos – que comemora em dezembro -, Mário Rui Pedras talvez só não estivesse à espera da posição de distanciamento que veio do seu orientando espiritual, André Ventura, presidente do Chega, esta quinta-feira, quando confrontado com a suspensão.
“É sabido que o padre Mário Rui é próximo de mim: casou-me, esteve também comigo quando era estudante universitário; é portanto uma notícia que me choca particularmente, que nada muda a minha visão em relação às coisas. A Justiça tem de ser aplicada para todos, seja em que circunstância for, seja com que proximidades for e seja quem seja”, disse Ventura, cuja assumida relação de grande proximidade com o seu líder espiritual o levou a ter na sua secretária, durante anos, uma foto ao lado deste padre.

Acabou por ser o pároco a vir dar a cara, com a sua mensagem, de que era um dos quatro membros católicos em relação aos quais o cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, determinara, na terça-feira, um afastamento preventivo das funções, seguindo uma recomendação da Comissão Diocesana – que apontara a “proibição do exercício público do ministério” para já como a melhor solução.
Refira-se que foi à diocese de Lisboa que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, enviou uma das maiores listas de nomes (24 no total) de sacerdotes que foram indicados pelas vítimas como alegados perpetradores de abusos sexuais.
À exceção de oito que já faleceram, de dois outros que estão doentes e ainda três padres que não estão nomeados, Mário Rui Pedras é um dos quatro nomes afastados – sendo que um deles é um leigo (cristão que não faz parte do clero) e outro abandonou já o sacerdócio.
Missas à antiga
Mário Rui Pedras é um padre muito conhecido pelos movimentos ultraconservadores da Igreja, que não se reveem no magistério do papa Francisco – há muito acusado de levar a cabo uma ação de desestruturação dos fundamentos e princípios da Santa Sé e cujos gestos de abertura da Igreja são sentidos como autênticas facadas por estes católicos.
Aliás, num artigo de 2018, quando passavam cinco anos do papado de Francisco, a VISÃO dava conta desta ala que se opõe a mudanças na Igreja e que tem na Igreja de São Nicolau uma das suas bases. Na altura, à reportagem, muitos sinalizavam que preferiam ser apelidados de tradicionalistas e não de ser conservadores.

Ali, com a autorização de Manuel Clemente, dada em 2015, a paróquia da Baixa de Lisboa acolhe das poucas missas tridentinas (assim conhecidas desde o Concílio de Trento, ocorrido no século XVI), que mais não é que uma liturgia que segue o rito romano – onde a maior diferença é o facto de ser dita em latim, entre outras singularidades, como o padre estar sempre de costas para os fiéis e virado de frente para o altar. Tais missas começaram por ser só aos sábados, depois a afluência aumentou a sua frequência para três dias por semana e, desde meados de 2017, realizam-se todos os dias.
Gerigonça no goto
Reitor da Igreja da Nossa Senhora da Vitória e da Igreja da Conceição Velha, diretor do Departamento do Turismo do Patriarcado de Lisboa e do Departamento da Mobilidade, e assistente nacional da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) são alguns dos cargos que o padre já teve, de acordo com a informação disponibilizada pelo anuário católico.
Dono de uma voz conselheira de que centenas não prescindem há algumas décadas, Mário Rui Pedras destacou-se, durante os anos da Covid-19, com mensagens críticas à gestão da pandemia feita pelo Governo e pelas autoridades de saúde.
“Se for a Páscoa, não pode; mas se for o 25 de Abril, pode. se for o 13 de maio, em Fátima, não pode; Mas o 1 de Maio, sim, pode. Se forem os Santos Populares, não pode. Mas o Avante!, sim, já pode”, criticou, então, o sacerdote numa homilia, cujas imagens, entretanto, a SIC veio revelar esta quinta-feira.
Numa outra missa, foi a então solução governativa à esquerda, liderada pelo socialista António Costa, que esteve na berlinda: “Não me deixo de surpreender quando, no dia 4 de maio, os funerais apenas podiam ser acompanhados pelas famílias. E não é possível aglomeramentos de mais de 10 pessoas. Não há dúvidas que o sobressalto católico não vai ter efeito mas também não há dúvida que a Gerigonça manda neste País”.
Acontecimentos têm 30 anos
Ao que o próprio relata na mensagem no Facebook, os acontecimentos que o visam na denúncia que a diocese recebeu terão ocorrido na década de 1990, quando o padre teria entre 40 a 50 anos. Um colégio nos arredores da capital foi o local da prática dos abusos referenciados pela alegada vítima.

“Na passada Segunda-feira, dia 20 de Março, fui chamado ao Patriarcado de Lisboa. Nessa ocasião foi-me dito que o meu nome constará da lista de pessoas, vulgo abusadores, que a Comissão Independente entregou na Diocese de Lisboa. Trata-se de uma denúncia anónima. Nessa denúncia alguém refere ter sido vítima de abusos por mim perpetrados, os quais teriam ocorrido na década de 90, quando frequentava o 8º ano, num colégio da periferia de Lisboa. A notícia assim transmitida chocou-me profundamente. Quero dizer-vos que essas imputações são totalmente falsas”, garante o padre no tal texto, que ao final do dia desta quinta-feira já ia a caminho de um milhar de gostos.
O pároco, “padre há 41 anos”, revela que a denúncia não só é “anónima” – “não refere o nome da inventada vítima (quem denunciou anonimamente poderia indicar um qualquer nome)” – como “não se indica o local onde os falsos abusos teriam sido perpetrados”, nem “o nome de potenciais testemunhas que tivessem algum conhecimento sobre o tema”. “Nada. Uma denúncia anónima, falsa, caluniosa, sem qualquer elemento útil ou prestável para investigação”, alega, apelando uma célere investigação ao caso.