As notícias que chegavam da fronteira ucraniana com a Rússia contribuíam para mais uma noite de insónias de Maria – nome fictício (como todos os de pais e gestantes neste artigo) –, passada diante a um ecrã de televisão que, há duas semanas, permanecia sintonizado em exclusivo nas imagens de homens e máquinas da guerra. Sentada no sofá do seu apartamento, no Porto, a quatro mil quilómetros de distância de Kiev, Maria recorda à VISÃO como “nada daquilo lhe parecia real”. “Era como se tudo não passasse de um filme”, diz.
Naquela (longa) madrugada do dia 24 de fevereiro de 2022, Maria aproveitava o silêncio da noite para colocar por escrito o medo e a angústia que acumulara nas últimas semanas. Decidira, naquele momento, redigir outro email dirigido à agência ucraniana a que recorrera, em agosto do ano passado, para iniciar um processo de gestação de substituição, vulgarmente conhecido como “barriga de aluguer”. O conteúdo recuperava todas as interrogações anteriores: “A agência tem um plano de contingência em caso de guerra? A segurança da gestante e do bebé estão assegurados? É possível tirá-los da Ucrânia? O parto pode ocorrer num país vizinho? E, caso isso aconteça, como podemos registar o recém-nascido como nosso filho?” “A agência costumava responder-nos prontamente, mas sempre da mesma forma: dizia-nos que estava tudo controlado, que existia um plano de contingência, mas que não havia motivos para estarmos preocupados, porque os russos ameaçavam muitas vezes, mas não chegariam a invadir a Ucrânia em grande escala”, conta.