Calhou, não foi premeditado, mas o livro levou nove meses a ser escrito – uma bonita e feliz coincidência. À breve gestação e ao parto, em contrapartida, seguiu-se uma longa convalescença, durante a qual as autoras de Novas Cartas Portuguesas – por causa do processo judicial que a ditadura lhes pôs, Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa ficaram conhecidas como as “Três Marias” – foram acusadas de atentar contra a moral vigente e, pior, contra o regime.
Em abril de 1972, três escritoras, nascidas no final dos anos 30, portanto todas na casa dos 30, denunciavam o Estado Novo e o que este interditava. Da política aos costumes, das leis aos tabus, tudo o que não dava jeito exibir no Portugal bafiento do “respeitinho é bonito”: a guerra, a censura, os direitos sociais e civis, o casamento, a família católica, o patriarcado, a violência de género, o aborto, a pobreza, a emigração. Houve quem visse no livro o princípio do fim da ditadura. “A uma sociedade que se apresentava sem saída soava como anúncio do fim essa revolta sem armas, essa explosão possível de tudo o que sempre fora tido por conveniente, por correto, por assepticamente puro”, haveria de escrever mais tarde, num prefácio de Novas Cartas Portuguesas, Maria de Lourdes Pintassilgo, a única mulher que em Portugal desempenhou o cargo de primeira-ministra.