“Se és casado(a) ou incapaz de manter uma conversa, vira para a esquerda.” Um desabafo comum em perfis femininos nas apps de encontros. Nas conversas entre amigas, são frequentes as referências ao ghosting, o desinteresse em dar continuidade ao caso que ia tão bem online mas foi um balde de água fria e não passou de uma perda de tempo. Partem geralmente de mulheres com idades acima dos 30 anos e sugerem fadiga e desencanto após várias tentativas falhadas na procura de alguém com quem ter momentos lúdicos com alguma qualidade.
Mesmo sem a pretensão de ter uma “cara metade”, expressão que parece ter caído em desuso – agora fala-se mais em “pessoas inteiras” -, a ideia de ter uma experiência gratificante a dois ou algo mais sério parece uma fantasia com pouca probabilidade de concretização num tempo em que nunca foi tão fácil chegar a outros, pelo menos à superfície.
Seja pela concorrência feroz, por não se sentirem atraentes, por ser difícil encontrar um candidato no mesmo comprimento de onda ou pela extensão das rotinas laborais, o celibato não desejado começa a pesar para uma imensa minoria.
O tema foi abordado num artigo recente do britânico The Guardian e, através de alguns depoimentos, faz o retrato do que é ser celibatária e porque nem sempre é tão interessante como podia. Estar a chegar ao fim da idade fértil sem um relacionamento estável. Render-se à possibilidade de não conseguir namorar a partir dos “entas”, quando houver menos candidatos elegíveis (boa parte deles ter já o seu núcleo constituído e grupos maioritariamente constituídos por pares). O facto de homens mais velhos, e não tão atraentes, parecerem ter mais facilidade e aval social para se envolverem sexual ou romanticamente com mulheres jovens e bonitas (o contrário continua a não ser tão comum).
O foco social e individual excessivos na aparência feminina, que potenciam o receio da rejeição, bem como o sexo “fast food” ou em que o erotismo está ausente, são mais dois pontos a acrescentar à lista dos “turnoffs”. No artigo, destaca-se ainda a insegurança como um dos inimigos da proximidade iniciada no registo virtual. Uma mulher de 49 anos, solteira há oito e celibatária há cinco, admitiu não querer arriscar encontros casuais com alguém que se acaba de conhecer online – desde o início da pandemia que essa realidade aumentou – até porque se sentiu desconfortável quando foi seguida quando voltava para casa, após o encontro.
Conscientes da ansiedade e do medo que a pandemia ampliou, as apps de encontros passaram a incluir tutoriais para facilitar a abordagem e a incluir opções para certificar perfis e denunciar os falsos, medidas que, per se, não impedem o registo acelerado e gamificado das interações com fins sexuais e amorosos, nem os estereótipos de género e as questões raciais, deixando os valores para o fim da escala de prioridades.
Liberdade com sabor a pouco
A pressão para ter par não é de agora, o “se fores muito exigente vais ficar para tia!”. Muitos casamentos e desilusões depois, ganhou fôlego o “mais vale só” e, nas gerações que se seguiram, o empoderado “eu faço o que eu quiser”.
Os costumes e as leis evoluíram, hoje há campanhas publicitárias inclusivas (com corpos sem imposição de cor, dimensão ou idade), movimentos protagonizados por influencers e mulheres famosas (contra o assédio, a violência no namoro, o “não” aos filtros de imagem nas redes sociais, o “sim” ao cabelo grisalho). Melhorias, houve, só que nem tudo são rosas. Segundo as estatísticas disponíveis, nascem menos mulheres do que homens, mas elas têm uma maior esperança de vida e, embora mais escolarizadas que eles, continuam a trabalhar mais e a ganhar menos.
Boa parte das mulheres tende a sentir mais insatisfação com a vida quando aspetos cruciais para a sua felicidade estão em défice ou ausentes. A confirmá-lo, as conclusões do estudo “As mulheres em Portugal, hoje”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que envolveu quase 2,7 milhões de portuguesas com idades entre os 18 aos 64 anos: um terço (33%) sentia-se infeliz com a vida. O aspeto físico, o tempo disponível para si e os seus passatempos, o trabalho pago e os filhos de relações prévias de um ou dos dois parceiros estavam entre os fatores que contribuíam para esse sentimento. Na amostra, 27% não tinham relacionamentos íntimos e 14% estavam há mais de dois anos sem viver com ninguém, após um relacionamento que acabou. Uma em cada dez mulheres do estudo afirmou tomar diariamente medicamentos para a ansiedade, depressão ou distúrbios do sono. Os fatores socioculturais podem justificar uma parte do problema, mas a biografia de cada um também entra na equação.
“O desinvestimento feminino na esfera sexual e amorosa pode ter vários motivos, sendo um deles não estar confortável com o seu corpo e a sua sexualidade, ter uma auto-imagem negativa ou falta de competências emocionais”, afirma a psicóloga e investigadora Ana Alexandra Carvalheira.
Nos estudos que tem realizado na área da sexualidade, constatou que “as mulheres mais velhas, em maior número que os homens, têm mais dificuldade em encontrar potenciais parceiros”. Para muitas delas, o celibato não é uma opção, antes uma vicissitude. O pior é mesmo quando as mulheres são as primeiras a desvalorizar-se, por razões culturais ou outras, interiorizando ideias do tipo “já não vou para nova”, “ninguém me quer”, “não gosto do meu corpo” ou “não me sinto desejada”.
A psicóloga e psicoterapeuta Alexandra Santos Silva reconhece o estigma mas adianta: “Mulheres vulneráveis que querem tanto encontrar par correm o risco de escorregar numa escolha que, percebem depois, não é a certa.” Há também quem se limite e fique nesse lugar. Por exemplo, quando surgem os primeiros sinais do envelhecimento: “Vêem o avanço da idade como uma perda e impedem-se de continuar a sentir desejo e a fazer por si, a olhar para o horizonte, como é próprio de um narcisismo de vida.”
Aprenderem a gostar de si próprias
Olhando olhando para a História do século XX, sempre existiu uma minoria avessa ao casamento por ver nele uma forma de submissão e a recusar-se a juntar alianças como ato político, próprio de quem resiste à assimetria de poder da sua época (heterossexualidade normativa, função de mãe e mulher de família).
Nas faixas etárias mais jovens, escolarizadas, mulheres com uma boa auto-estima encaram os relacionamentos íntimos como uma parte do seu projeto de vida, sem depositarem nele todas as fichas, por assim dizer. Com frequência, tendem a ser mais disputadas e podem representar maiores desafios para os potenciais parceiros, na medida em que, mais do que as gerações anteriores, elas exercem os seus direitos, na área sexual e amorosa e nas outras. Não é, pois de estranhar, que a vida celibatária se afigure algo atrativa, mesmo que não seja uma decisão para a vida.
Escolher viver só após um relacionamento que findou pode ser necessário ou desejável. Da mesma forma, é legítimo não sentir o apelo de ter alguém ao lado num período da vida em que deseja usufruir de mais liberdade e tempo para si, sem as cedências e esforços – de tempo e de energia – que um relacionamento amoroso ou sexual implica.
Além disso, Alexandra Carvalheira lembra que a diversidade de estímulos à disposição das mulheres é enorme, possibilitando uma terceira via no que toca à vivência e à satisfação do desejo: “Hoje as mulheres têm acesso a conteúdos eróticos e pornográficos e a uma gama alargada de brinquedos sexuais que lhes permitem uma satisfação a solo nunca antes conseguida com parceiros prévios.”
Sentir-se amado e desejado vale para todos. Quanto ao desejo, não deve ser confundido com carência. A psicóloga Alexandra Santos Silva esclarece: “Também acontece às mulheres procurarem no par um antidepressivo.” Por aí não é o caminho. “É importante ter a capacidade de nos amarmos e, a partir de certa altura, ter um olhar mais clínico, cirúrgico, para fazer escolhas satisfatórias.”