Sentimos na pele o que significa andar a mil à hora. Nem sempre acreditamos que é possível reduzir o ritmo, até porque fazê-lo é ir contra a norma, o registo acelerado. Até ao dia em que – e não precisa de ser na meia idade – as mensagens do corpo nos levam a parar e, com o susto, esperar que ainda possamos ir a tempo de virar a agulha e fazer melhor pela nossa saúde.
Aconteceu a Florence Parot, quando tinha 23 anos e estava a concluir o curso de intérprete de conferências: “Um dia, de manhã, levantei-me e caí no chão, sem conseguir levantar-me; o meu marido teve de chamar uma ambulância.” Foram dias a fazer exames hospitalares e no final não lhe encontraram nada. “Este colapso deveu-se a um estado de fadiga acumulada e só mais tarde me apercebi de que sofrera um burnout.”
Florence foi aconselhada por um médico a fazer sessões de sofrologia. As melhorias que experimentou levaram-na a estudar mais aprofundadamente o método e a certificar-se nele. Inicialmente, fazia os exercícios quando se sentia mais tensa ou antes de eventos stressantes, quando ainda trabalhava como administrativa no meio empresarial: “Ajudou-me a ser menos opinativa, mais serena e a libertar-me de pressões e preocupações desnecessárias.”

A diferença foi tal que os colegas começaram a procurá-la e a contar-lhe os seus problemas, na tentativa de melhorarem as suas vidas também. “A certa altura, achei que era pouco e surgiu o desejo de abraçar uma nova carreira”, conta. Passou-se há 15 anos, ainda a disciplina não era muito conhecida no meio parisiense.
Rumou então ao Reino Unido, e especializou-se nesta terapia complementar, e fundou a Academia de Sofrologia, a primeira escola em Inglaterra para formação de formadores nesta área, onde funciona também uma clínica de sono e gestão de stresse.
Com o Brexit, regressou à terra natal, em Creuse, na região Nova-Aquitânia, e fundou La Bulle de Repos, onde coordena a formação de profissionais, (clínicos gerais, psicoterapeutas, coaches e naturopatas), e têm lugar programas anti-burnout e retiros de desenvolvimento pessoal.
O que é e para que serve
À primeira vista, poderíamos estar a falar de Mindfulness ou de atenção plena. Porém, são de referir algumas diferenças: “Esta terapia holística (que envolve a ligação corpo-mente) tem inspiração na meditação oriental e usa técnicas de respiração, de relaxamento, movimentos e inclui também visualização e exercícios de concentração.”
Todas as manhãs, faço exercícios simples de relaxamento dinâmico, que envolvem a respiração, alongamentos, movimento dos ombros e visualização de cenários positivos, que me dão muita energia
Florence Parot, terapeuta de sofrologia e especialista em gestão de stresse
Em França, já entrou no mainstream e é aplicada no contexto desportivo, para melhorar a performance e ter melhores níveis de energia. É ainda uma ferramenta útil para melhorar o sono, gerir o stresse e promover a saúde. Está tudo no livro lançado pela terapeuta de sofrologia e especialista em gestão do stresse.
Ao longo das 208 páginas de Os Segredos da Sofrologia, escrito numa linguagem acessível e com muitas ilustrações, é possível descobrir o que acontece numa sessão e como tirar partido dos benefícios deste método, que se tem expandido na Europa.
Aos 50 anos, Florence revela um pouco da sua prática diária: “Ainda hoje, todas as manhãs, faço exercícios simples de relaxamento dinâmico, que envolvem a respiração, alongamentos, movimento dos ombros e visualização de cenários positivos, que me dão muita energia.”
A sofrologia é aplicada no contexto desportivo para melhorar a performance e ter melhores níveis de energia. É ainda uma ferramenta útil para melhorar o sono, gerir o stresse e promover a saúde
Criada nos anos 1960 pelo neuropsiquiatra colombiano Lozano Alfonso Caycedo, esta disciplina tinha por meta investigar a consciência e promover o alívio do sofrimento em doentes mentais que, à data, eram submetidos a tratamentos farmacológicos limitados e outros, pouco humanizados.
O contacto com o yoga e a meditação nas viagens que fez ao Tibete e ao Japão levaram o médico a integrar essas práticas como complemento do tratamento psiquiátrico. Estavam criadas as bases da sofrologia, designação que resulta da fusão entre as palavras gregas “sos” (harmonia), “phren” (consciência) e “logos” (conhecimento).
Mais do que uma forma de aliviar o sofrimento, é uma filosofia de vida que valoriza o equilíbrio numa perspetiva existencial: que une corpo, emoção e pensamento através do relaxamento e da contemplação.
O valor da serenidade

Uma década mais tarde, a técnica chegou a Portugal pela mão de uma pediatra francesa. Frida Ergas tem 104 anos, vive em Lisboa e criou a primeira escola de sofrologia no nosso País. Ana Viegas Cruz foi numa das suas formandas e estudou também com a filha de Lozano Alfonso Caycedo, em Espanha e na Suíça.
“Em Portugal, as primeiras formações chegaram nos anos 1980, mas só em 2012 foi criada a Escola de Sofrologia Caycediana de Santarém, onde temos a sede”, esclarece a ex-engenheira agrónoma que é hoje professora de yoga, dirige a Escola e é Presidente da Associação de Sofrologia Caycediana PORTUGAL.
“Além da formação Master de 12 graus, pode ser exercida em consultas, coaching individual, e workshops temáticos em regime presencial e online, na Portela, em Lisboa”, explica. Porém, e contrariamente ao que sucede noutros países, ainda não existe um reconhecimento oficial desta terapia holística por cá.
Procurados sobretudo por “enfermeiros, psicólogos e educadores, para desenvolvimento pessoal e como complemento das suas profissões”, recebem ainda pessoas interessadas em usar esta abordagem “na preparação para o parto, antes de cirurgias, de exames académicos, de viagens e, ainda, com a intenção de aliviar a dor, lidar com a insónia”. Há quem venha simplesmente porque quer mudar a sua atitude no quotidiano.
A sofrologia tem impacto real no corpo e no plano neurológico, dá-nos uma base para transformar a forma como olhamos a vida
Ana Viegas Cruz, Pres. da Associação de Sofrologia Caycediana PORTUGAL
“A sofrologia tem impacto real no corpo e no plano neurológico, dá-nos uma base para transformar a forma como olhamos a vida”, salienta Ana Viegas Cruz. O segredo está na “contemplação, que traz serenidade e nos deixa menos afetados com o que se passa à nossa volta.” E leva tempo? Sim, “pressupõe uma prática regular para que os efeitos sejam efetivos e duradouros”.
Se tem dúvidas sobre a utilidade da sofrologia ou deseja iniciar-se nela, Florence Parot deixa uma mensagem para levar no bolso: “Comece por dar-se tempo para respirar de forma consciente; duas ou três vezes por dia, feche os olhos, respire profundamente e note como esse simples gesto fará a diferença, no seu desempenho e nas atitudes durante o dia.”