Na prisão em Mulanje, uma cidade no sul do Malawi, perto da fronteira com Moçambique, os prisioneiros substituíram a forma como cozinham as suas refeições. Em vez de utilizarem lenha para cozinhar os alimentos, começaram a usar biogás produzido através de dejetos humanos.
Quando se cozinhava na prisão, este costumava ser um processo moroso, que podia levar até cinco horas. Felix Chimombo, o recluso responsável por esta tarefa, começava às 7h da manhã e o seu trabalho consistia em preparar cerca de 200 refeições para os restantes prisioneiros. Para isso, era necessário cerca de 2m3 de lenha, que tinha de ser cortada todos os dias. Com a instalação de um biodigestor, que transforma matéria orgânica em energia, o trabalho de Chimombo ficou facilitado.
O processo consiste em passar fezes humanas, bem como outras matérias orgânicas, pelo biodigestor, onde estas ficam submersas em água. Esta água irá possibilitar a criação de um ambiente anaeróbico, propício ao desenvolvimento de organismos que não usam oxigénio e que transformam a matéria orgânica em metano. Este é o gás que depois é usado nos fogões da cozinha. Para operar o biodigestor foram treinados oito guardas prisionais e seis reclusos.
A principal preocupação dos prisioneiros era que o biogás ainda tivesse o cheiro da matéria com o qual é feito. No entanto, isso não se verifica. “O sistema é bastante limpo e eficaz. Quando a central estava a ser instalada pensámos que teríamos cheiro como o dos esgotos na cozinha, mas este gás é bastante inodoro. Esta iniciativa ajudou bastante, já não levamos muito tempo a cozinhar, uma vez que cozinhar com gás é mais rápido e eficiente”, explica Chimombo, à BBC.
Para além de facilitar na cozinha, foi possível reduzir o consumo de lenha para metade, de 60m3 para 29m3, afirmaram os guardas à BBC. Este novo sistema também ajudou a reduzir a despesa elétrica, poupando um total de cerca de 332 euros por mês em lenha e eletricidade, e melhorou as condições sanitárias, ao diminuir os frequentes bloqueios no sistema de esgoto. Para além disso, o biodigestor produz um produto que é usado como fertilizante na pequena quinta dos reclusos e espera-se que esta produção de vegetais possa reduzir o problema da má nutrição dentro da prisão, especialmente dos prisioneiros que têm HIV.
O biodigestor ainda não se encontra na sua capacidade máxima. O sistema foi instalado a dezembro de 2020, na mesma altura em que a prisão reduziu o número de reclusos devido à pandemia. Na sua capacidade total, o biodigestor pode processar 230m3 de matéria fecal por dia. Os oficiais da prisão esperam que, com o tempo, este possa vir a reduzir as despesas em lenha e eletricidade até 80%.
O projeto na prisão de Mulanje pode parecer pequeno numa escala global. No entanto, este pode servir de inspiração ao resto do país. O biogás tem o potencial de resolver vários problemas ambientais que o Malawi enfrenta, ao proporcionar um fertilizante e uma fonte de energia limpa, e ao permitir a redução da dependência excessiva da madeira.
O Malawi é um dos países mais densamente povoados de África, sendo que 97% dessa população depende de energia orgânica, especialmente de madeira. Devido a esta dependência, o país tem uma das maiores taxas de desflorestação da África Subsariana, sendo possível ver um declínio dos 3.5 milhões de hectares de floresta que existiam em 1990, para 2.24 milhões de hectares em 2020. Entre as áreas mais afetadas estão florestas indígenas que tiveram um declínio de 60%, passando de 1.7 milhões para 700 mil hectares. A aposta no biogás pode ajudar o país a proteger as suas florestas e a combater a desflorestação.
“Nós geramos muito desperdício orgânico que, infelizmente, não é convertido em energia para prevenir que polua o ambiente. O governo está a encorajar a adoção de fontes de energia amigas do ambiente, como o biogás e a energia solar”, explica, à BBC, Tawonga Mbale, diretora dos assuntos ambientais do Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais.
Ativistas ambientais, como Mathews Malata, também defendem que a aposta no biogás pode ser uma boa opção para o país reduzir o uso de carvão e madeira como fontes de energia. “No Malawi temos centrais de biogás maioritariamente em pequena escala, mas recentemente temos visto um aumento no interesse dos investidores nas centrais de biogás”, diz à BBC.
Já na capital do Malawi, Lilongwe, está a ser usada outra forma de produzir energia limpa, com recurso ao lixo doméstico. “Nós recolhemos o lixo das casas e depois de separarmos a biomassa [toda a matéria orgânica] do plástico, passamos pelo biodigestor onde produzimos o gás e um líquido que serve de fertilizante”, explica, à BBC, Rose Muhondo, promotora sanitária da organização Our World International. Esta organização vende depois o biogás a cerca de 99 cêntimos por quilo, metade do preço do gás natural do país.