São às centenas as experiências de assédio e ameaças feitas por homens que têm sido partilhadas pelas mulheres britânicas nas redes sociais, desde que uma londrina de 33 anos desapareceu quando voltava para casa, tendo depois sido encontrada morta num bosque, acendendo um fervoroso debate sobre a violência contra a mulher.
Sarah Everard trabalhava na área do marketing e tinha ido visitar alguns amigos em Clapham, no sul de Londres, quando resolveu voltar para casa em Brixton, a cerca de 50 minutos a pé. Eram perto das 9 e meia da noite de dia 3. Não voltou a ser vista com vida.
Seguiu-se uma megaoperação policial que, depois de vários dias de buscas, acabou por dar com o corpo da jovem num bosque a meio do seu caminho – e levou também à detenção de um agente da polícia metropolitana, acusado de raptar a jovem e depois a assassinar. Wayne Couzens, 48 anos, será presente a tribunal já este sábado para a primeira audiência do processo que poderá julgá-lo por homicídio. Desde então as reações ao caso não pararam.
“Continuar a dizer que este problema é muito difícil de resolver não é o suficiente. É preciso agir agora”, sublinhou Claire Barnet, a diretora executiva da ONU Mulheres no Reino Unido, citada pelo jornal The Guardian – classificando a situação como uma autêntica “crise de direitos humanos”.
Cressida Dick, a chefe da polícia londrina, reconhece igualmente que há um problema: “felizmente é raro uma mulher ser sequestrada na rua, mas compreendo perfeitamente que não só a população como as mulheres em particular, estejam preocupadas.” Admitindo que um desaparecimento nestas circunstâncias é “o pior pesadelo para a família”, fez questão de sublinhar: “falo em nome de todos os meus colegas quando digo que estamos chocados. O nosso trabalho é patrulhar as ruas e proteger as pessoas”.
O debate acabou ainda a gerar pedidos para deixar de culpar as mulheres e, em vez disso, educar os homens. “A todas as mulheres que mandam mensagens de texto para os amigos a avisar que chegaram bem a casa, que usam sapatos baixos à noite para conseguir correr se precisarem, que levam as chaves na mão prontas para serem usadas, é preciso dizer-lhes que a culpa não é sua “, tweetou a diretora da ONG Reprieve, Anna Yearley.
Seguiu-se a deputada trabalhista britânica Alex Davies-Jones: “Dizem-nos para não vestirmos ‘algo muito curto’, não beber de mais ‘para não ficarmos vulneráveis’… Quando é que vamos começar a dizer aos rapazes e aos homens que não podem atacar as mulheres?
No parlamento escocês, soou alto e bom som a voz de Jess Phillips, que leu o nome de todas as mulheres assassinadas no último ano no Reino Unido e voltou a pedir mais medidas de proteção. “Mulheres mortas é algo que todos nós simplesmente aceitamos como parte de nossas vidas diárias”, disse. “Mulheres mortas é apenas uma daquelas coisas. Mulheres mortas não são raras. Mulheres mortas são comuns”, acrescentou.
Nem Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico, pode deixar passar em claro os acontecimentos desta semana – prestando a sua solidariedade aos familiares da vítima, no seu Twitter.
Desaparecer sem avisar ninguém não era de todo algo que Sarah costumasse fazer e isso, claro, deixou a família e amigos num alvoroço quando há semana e meia a jovem deixou de estar contactável. Seguiu-se a mobilização de centenas de polícias, que depois de ouvirem mais de 750 pessoas, acabaram por deter Couzens na terça-feira, 9, um dia antes do corpo ser encontrado no bosque.
O agente estava de folga no dia do desaparecimento de Sarah e imagens captadas pelas câmaras de segurança de um veículo que fazia o mesmo percurso que a executiva foram fundamentais para a detenção. Segundo disse à BBC um porta-voz da Polícia Metropolitana, “todas as possíveis questões de conduta associadas às alegações de sequestro e assassinato serão investigadas”.
Em paralelo, as denúncias de assédio na rua multiplicam-se – numa campanha incentivada pelas irmãs Maya e Gemma Tutton, conta ainda a BBC, que desafiaram as mulheres a partilhar os momentos em que se sentiram inseguras enquanto passeavam pelas ruas.
A primeira a contar a sua história foi a própria Maya, de 22 anos. “Lembro-me de ter 14 anos e vários homens terem parado ao meu lado fazendo os comentários mais ameaçadores do ponto de vista sexual que tinha ouvido na minha vida”, contou, confessando que nunca mais se sentiu confortável sozinha em espaços públicos.
Mas foram as experiências da sua irmã mais nova, Gemma, que a instigaram a fazer pressão. “Ela tinha 11 quando veio ter comigo a tremer depois de um homem ter feito uma série de comentários sexuais sobre o seu corpo. E eu tive de lhe dizer que a culpa não era dela, mas que aquele não seria o único – e provavelmente, nem o pior – momento do género que teria de ultrapassar”.
Há dois anos que iniciaram uma campanha no sudeste de Inglaterra chamada Our Streets Now, apelando a que o assédio sexual em público passe a ser considerado um delito criminal e ainda que a questão passe também a fazer parte do currículo do Secundário. Agora, garantem que não baixam os braços enquanto o objetivo da sua petição não seja cumprido. “O envolvimento dos rapazes e dos homens é crucial”, insiste Maya, sublinhando que “não podemos continuar a colocar o ónus sobre os ombros da vítima”, porque “quando se diz às mulheres que mudem o seu comportamento para se manterem seguras, permite-se que os agressores continuem a ser um perigo para os outros”.
Chris Green, o fundador da associação White Ribbon (Laço Branco, em inglês) no Reino Unido, e que trabalha para acabar com a violência masculina contra as mulheres, está do seu lado. “É responsabilidade dos homens desafiar outros homens e a nós próprios nos nossos comportamentos”, assume, a propósito de um movimento global que começou nos anos 1990, no Canadá. “O nosso compromisso tem de ser de não cometer violência, não desculpar a violência e nunca permanecer em silêncio sobre os níveis epidémicos de violência na nossa sociedade”, frisou ainda à imprensa britânica aquele ativista, de 67 anos. Perante a onda de denúncias que se criou após o caso de Sarah, remata: “Temos de fazer mais”.