Contra os avisos dos seus professores, estudantes de todo o mundo recorrem diariamente à “enciclopédia livre que todos podem editar” para entregar os seus trabalhos. Com muitas vantagens e outros tantos perigos, qualquer internauta curioso conhece a Wikipedia, o 13º site mais visitado da internet – à frente da Netflix ou do Instagram-, que conta com mais de 55 milhões de artigos escritos em 316 línguas diferentes. O site é uma plataforma popular para pesquisas rápidas sobre os mais variados temas, dos mais simples aos mais complexos. Doenças, teorias filosóficas, resultados antigos de campeonatos de futebol, modelos matemáticos ou biografias – é possível encontrar de tudo.
Hoje, a Wikipedia celebra o seu vigésimo aniversário. Há vinte anos, os seus fundadores apresentavam-na como “uma enciclopédia para a qual toda a gente, de todo os sítios, pode contribuir” – nunca esperaram que, em 2021, o site tivesse atingido este nível sucesso. Enquanto que plataformas como o Twitter, o Facebook ou o Youtube foram atacadas pela difusão de notícias falsas e teorias da conspiração ao longo dos últimos anos, a Wikipedia mantém a fama de ser um “bastião da imparcialidade” – financiada apenas por doadores e gerida exclusivamente por pessoas, não por máquinas. O seu foco é o interesse dos leitores e contribuidores, não o lucro.
Apesar desta fama, o modelo de crowdfunding (financiamento coletivo) do site deixa-o vulnerável a momentos ocasionais de fraude – em particular nas páginas menos visitadas, que sofrem menos escrutínio por parte do público e que estão sujeitas a manter informação falsa durante mais tempo. Apenas 40 mil dos 6 milhões de artigos publicados em inglês são considerados “bons artigos”, segundo os padrões do site. Foi por este risco que, em agosto, a Organização Mundial de Saúde começou a colaborar com a Wikipedia para combater a desinformação sobre a Covid-19 – um dos temas mais pesquisados do ano.
A origem da Wikipedia
O final do século XX marcou o início da explosão da internet. Em 1999, dois amigos norte-americanos, o empreendedor Jimmy Wales e o académico Larry Sanger, decidiram criar uma enciclopédia grátis e disponível online: a “Nupedia”. Esta plataforma, supervisionada por um grupo de peritos, exigia um processo rigoroso e lento de sete passos para a publicação de artigos, como uma revista científica.
Perante estas limitações à publicação de artigos, Wales e Sanger concluíram que teriam de facilitar a vida às pessoas que queriam colaborar com a enciclopédia digital e e que se viam presas no processo burocrático de aprovação de artigos. Passados alguns meses, Sanger lançou a ideia: “porque não deixar toda a gente escrever e editar a sua própria enciclopédia?” Assim foi: no dia 15 de janeiro de 2001, a Wikipedia apresentou o seu primeiro artigo. E a Nupedia foi progressivamente reduzida à insignificância.
20 anos mais tarde, 300 mil editores voluntariam-se para escrever, editar e controlar as milhões de entradas no site. A Wikipedia rege-se por cinco princípios fundamentais: é uma enciclopédia, deve ser elaborada de forma neutra, o conteúdo é livre, sendo que qualquer pessoa pode usá-lo e editá-lo, os editores devem tratar-se com respeito mútuo e, por fim, a Wikipedia não tem regras firmes.
No final do seu primeiro mês de atividade, a Wikipedia tinha apenas 600 artigos. Ao fim de cinco meses, contava com 3.900. Até que, passados nove meses, no dia 11 de setembro, se deram os atentados terroristas contra as Torres Gémeas e o Pentágono – um ponto de viragem para o mundo, mas também para a Wikipedia. As pessoas estavam desesperadas por saber o que se estava a passar, pois só tinham acesso à informação limitada transmitida pelos noticiários da televisão. Assim, milhares de pessoas viraram-se para a Wikipedia: uma enciclopédia digital, aberta a todos os utilizadores, que se atualizava no próprio momento.
As decisões dos editores da Wikipedia na cobertura dos ataques terroristas do 11 de setembro vieram a mudar a cultura do site, como o conhecemos hoje em dia. Graças à criação de 100 artigos sobre os atentados terroristas (num universo total de 13 mil, na altura), a Wikipedia conseguiu chamar a atenção do grande público. Uma das entradas mais populares foi uma lista atualizada dos mortos nos ataques da Al-Qaeda, que chegou às três mil vítimas, e que se veio a tornar num foco de controvérsia nas semanas seguintes. Alguns editores queixaram-se de que este tipo de cobertura ia contra o conceito de “enciclopédia”, assemelhando-se a um jornal de notícias de última hora. Passado um ano de muitas discussões, a Wikipedia anunciou, em 2002, que não era “um portal de notícias.” Hoje, o site continua a sublinhar que “não oferece noticias de última hora” e que “a Wikipedia não é um local para homenagear a morte de amigos, família e conhecidos.”
Apesar de rejeitarem a ideia de funcionarem como um jornal, os editores da Wikipedia continuam a estar atentos a todo o tipo de notícias de última hora – como as eleições presidenciais dos EUA, o impeachment de Donald Trump, ou a pandemia da Covid-19- mas sempre tendo em conta estas regras do site. Num curto espaço de horas, os artigos sofrem centenas de revisões, com a introdução de links de notícias para contextualizar a informação. Se fosse criado hoje, o site dificilmente teria o mesmo sucesso, disse a diretora da Fundação Wikimedia, dada a visão predominantemente comercial da internet – rejeitada pela Wikipedia, que mantém o seu design simples e minimalista, sem recurso a algoritmos para captar a atenção do público.
“O sonho de Diderot”
A revista The Economist apelidou a Wikipedia como “o sonho de Diderot”, o editor do século XVIII da Encyclopédie francesa, que lutou pela difusão do acesso ao conhecimento humano. Só este mês, a Wikipedia contou com mais de 30 milhões de visitas por dia. Paralelamente, milhares de editores voluntários do site trabalham para manter o site livre de informações falsas e garantir a imparcialidade do mesmo. Apesar disso, se nos depararmos com um artigo nas “profundezas” da Wikipedia, devemos ter em conta que até os tentáculos de um editor mais atento podem ainda não ter chegado lá. Mesmo os artigos mais populares e escrutinados estão sujeitos a erros humanos. Na via das dúvidas, convém sempre verificar as fontes.