António Mexia e João Manso Neto já podem sair do País, voltar a espaços como a sede da EDP e contactar com uma série de arguidos e testemunhas do processo, porque estas três medidas de coação – que lhes foram aplicadas no verão pelo juiz Carlos Alexandre – estão neste momento extintas. E porquê? Porque a defesa do ex-presidente da EDP e do ex-presidente da EDP Renováveis recorreu da decisão das medidas de coação, o recurso foi distribuído com natureza urgente mas os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa que têm em mãos o processo ainda não decidiram. E assim deixaram caducar o prazo máximo de seis meses para a manutenção das respetivas medidas de coação.
Com este recurso por decidir, só havia uma alternativa para que as medidas de coação impostas pelo juiz de instrução permanecessem válidas: que o Ministério Público deduzisse acusação contra António Mexia e João Manso Neto antes do fim do prazo de seis meses. Só que aí é o próprio Ministério Público quem está de mãos atadas. E porquê? Por causa de outro recurso de dois outros arguidos deste processo, Manuel Pinho e Miguel Barreto, que está por decidir há mais de um ano no Tribunal Constitucional. Com uma agravante: o juiz do Tribunal da Relação de Lisboa que olhou para estes recursos fixou-lhes um “efeito suspensivo”, o que significa que o processo, no que respeita a estes arguidos, fica parado até que haja uma última decisão do último tribunal superior, ou seja, o Constitucional. Como o processo que investiga crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais no âmbito das chamadas rendas excessivas da EDP está todo interligado, não é possível separá-lo. Ou seja, não é possível acusar António Mexia sem acusar Manuel Pinho e mais tarde acusar Manuel Pinho sem acusar António Mexia.
A história do imbróglio que está a atrasar a investigação e a causar transtorno a alguns arguidos obriga a recuar a julho de 2017, quando o ex-ministro da Economia Manuel Pinho foi chamado à Polícia Judiciária e constituído arguido. Pinho, que não quis prestar declarações, não concordou com a decisão e interpôs recurso. Uns tempos mais tarde, o juiz Ivo Rosa decidiu anular a decisão dos procuradores, entendendo que os magistrados Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto não tinham indícios suficientes naquela data que permitissem a constituição de arguido do antigo governante.
Só que o Tribunal da Relação de Lisboa não concordou. No verão de 2019, os juízes daquele tribunal superior concluíram que Ivo Rosa não tinha competências para mandar anular a decisão do Ministério Público e anularam o despacho do juiz que tinha revogado o estatuto de arguido a Manuel Pinho e também a Miguel Barreto, o antigo diretor-geral da Energia que é também suspeito neste processo. Pinho e Barreto, porém, decidiram levar os seus argumentos até às últimas instâncias. E, no momento da subida do recurso do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, aconteceu algo muito raro em recursos de processos que ainda estão em fase de inquérito: o juiz atribuiu-lhe um “efeito suspensivo”, em vez do habitual “efeito devolutivo”. As duas hipóteses estão previstas no Código de Processo Penal, mas enquanto a segunda permite que o processo corra normalmente enquanto aquele recurso está por decidir, a primeira impede que sejam feitas mais diligências sobre aquele arguido, uma nova tentativa de interrogatório ou mesmo uma acusação, enquanto o recurso não estiver decidido.
Os recursos que sobem ao Tribunal Constitucional normalmente só têm efeito suspensivo do processo quando se debruçam sobre decisões condenatórias ou sobre despachos de pronúncia. Isto porque o Constitucional não analisa matéria de facto. Os efeitos suspensivos e devolutivos tornaram-se especialmente célebres em Portugal quando Isaltino Morais foi preso e libertado menos de 24 depois. Tal aconteceu porque entre a sua avalanche de recursos havia um ao qual tinha sido fixado precisamente o efeito suspensivo: ou seja, até esgotar todas as possibilidades de todos os seus recursos, o caso não transitaria em julgado e o autarca não poderia ser preso para cumprir a pena.
Curiosamente, noutros recursos do processo EDP interpostos pela defesa de António Mexia e de João Manso Neto, o Tribunal da Relação de Lisboa fixou o habitual efeito devolutivo, ao invés do que aconteceu com o recurso de Manuel Pinho.
O efeito suspensivo pode ter consequências mais graves para o processo EDP porque a decisão do Tribunal Constitucional está há muito tempo pendente e os prazos de prescrição não estão interrompidos, o que pode levar à prescrição de alguns actos de corrupção. Neste caso, o Tribunal Constitucional não recusou liminarmente os recursos, como acontece muitas vezes. Entendeu que havia nos recursos de Manuel Pinho e de Miguel Barreto (ex-diretor geral da Energia) razões válidas para análise de matéria constitucional e distribuiu o recurso a uma juíza relatora, algo que também não passou à margem de polémica. É que a juíza sorteada é Mariana Canotilho, filha do constitucionalista Gomes Canotilho, que assinou um parecer para a EDP. Prevenindo que a opinião pública viesse a duvidar da sua imparcialidade, a magistrada ainda pediu escusa, mas os juízes que apreciaram o pedido entenderam não haver conflito de interesses. Quando tomar uma decisão, esta terá de ser votada por todos os seus pares do Constitucional.
António Mexia e João Manso Neto abandonaram os seus cargos na elétrica depois precisamente de serem suspensos de funções pelo juiz Carlos Alexandre, no momento em que foram indiciados por quatro crimes de corrupção ativa e um de participação económica em negócio. Além da suspensão de funções, ficaram impedidos de entrar nos edifícios da EDP, impedidos de viajar para o estrangeiro e obrigados a pagar cauções milionárias.
Manuel Pinho e Ricardo Salgado são dois dos outros arguidos do processo, que investiga suspeitas de pagamento de contrapartidas em troca de decisões governamentais favoráveis aos interesses da EDP, empresa da qual o BES era acionista.