É curioso como Luís Rodrigues, 40 anos, sem qualquer passado ligado às artes, tem a vida cheia de efeitos especiais. Durante o dia trabalha em pós-produção televisiva, como supervisor de efeitos visuais na Plural. Nas telenovelas, por exemplo, faz genéricos e explosões, apaga sombras e reflexos, cria clarões e fumo nos tiros de pistola ou, quando as personagens morrem, paralisa a respiração e o piscar de olhos dos atores. Neste emprego das nove às cinco, quanto menos percetível for a sua intervenção, melhor é o seu trabalho. E assim quase não se dá por ele na produtora onde trabalha há 14 anos, desde a terceira temporada de Morangos com Açúcar.
À noite, quando chega a casa, veste o fato das Insónias em Carvão e revela o seu lado mais mordaz, com um humor visual muito apurado. Luís Rodrigues pega em fotografias e vídeos de figuras públicas, na sua maioria relacionadas com temas da atualidade, mais centradas em política e futebol, e com montagens – umas mais subtis do que outras – dá-lhes uma roupagem que faz rir milhares de seguidores: 112 mil no Instagram, 63 mil no Twitter, 202 mil no Facebook. “Há outras pessoas a trabalharem o Photoshop e o After Effects mil vezes melhor, mas eu sou muito rápido e estou constantemente ligado às redes sociais”, conta-nos.
Nos últimos tempos, o seu trabalho também pode ser visto nos jornais Record e Expresso, além de ter feito parte da equipa de guionistas do programa Gente Que Não Sabe Estar, um convite direto de Ricardo Araújo Pereira. E, mesmo depois de ter sido nomeado nos Globos de Ouro para personalidade do ano na categoria digital, tem conseguido manter o anonimato e a privacidade. Por enquanto, apesar de o seu estatuto ganhar cada vez mais notoriedade, é o próprio Luís quem trata de todas as suas entrevistas, na maior parte das vezes evitando-as. “Quero continuar a ir levar os meus filhos à escola de pijama”, confessa. Mas, como é “o pior comercial do mundo” e quase não vê as mensagens, viu-se obrigado a arranjar um agente para lhe filtrar as propostas de trabalho. “Não tenho jeito para ser freelancer, para viver na incerteza.”
Memes: hieróglifos do século XXI
Não sendo militante de nenhum partido, Luís Rodrigues sente uma maior afinidade com “uma esquerda social”. “Indigno-me a sério quando são os de esquerda a falhar, em casos como o do Robles, vereador do Bloco de Esquerda, ou o do alegado favorecimento ao genro do Jerónimo de Sousa”, exemplifica. Já no futebol, não esconde que sempre torceu pelo Benfica, mas só começou a apreciar a modalidade no Euro 2000. Está longe de ser o típico adepto que sabe de cor os resultados do seu clube. Em 2014, foi precisamente um meme sobre futebol que catapultou o seu trabalho para a esfera do viral. A selfie da Seleção Nacional ao lado de Cavaco Silva, em que a barba farfalhuda de Raul Meireles foi aplicada em todos os jogadores e ao então Presidente da República, correu todos os noticiários.
Um ano antes, em 2013, o projeto Insónias em Carvão esteve para se chamar Fotografite – com bastante menos graça, diga-se. Nessa altura, e porque precisava de mais dinheiro (o primeiro filho vinha a caminho), Luís desenhava a carvão por cima de fotografias. Depois de um presente para a cunhada – um ensaio fotográfico com a família reunida –, chegou a fazer trabalhos para desconhecidos que lhe pediam uma ou outra montagem mais divertida. Ainda não enriqueceu com os memes, “os hieróglifos do século XXI” como lhes chama, mas também não precisa de muito dinheiro, mantendo um velhinho Seat Ibiza e a televisão antiga.
Luís tem receio de ir ficando menos mordaz. Por isso prefere não conhecer, pessoalmente, os visados das suas brincadeiras, mantendo a distância de figuras públicas como Bruno de Carvalho, Jorge Jesus, Cavaco Silva e Passos Coelho, no topo da lista dos mais caricaturados. “Cresci sem redes sociais, aquilo não é um sítio privado. Não dá para falar de tudo, até porque tenho um humor que consegue ser mais extremista. Já fugi a quase todas as regras, mas tento não fazer nada com anónimos, pessoas doentes, mortes. Penso sempre que a família dessas pessoas pode ver. Há outros que, debaixo da capa ‘eu sou muito frontal e genuíno’, não percebem que são mal-educados, digitalmente iletrados e não medem a ofensa.”
Poucas situações e pessoas levam Luís Rodrigues a rir à gargalhada, o que não faz dele uma pessoa sisuda. Ri-se mais com anónimos e tiradas espontâneas do seu grupo de amigos do que com as comédias do panorama audiovisual. Por associar o humor a quem faz stand-up comedy, não se revê quando falam dele como humorista, mas também não se considera um artista. O facto de ter seguido Economia, no Secundário, e Comunicação Empresarial, na universidade pode ajudar a perceber o raciocínio.
Os amigos ainda hoje lhe chamam o inglês, alcunha que deriva do facto de Luís ter nascido e passado os primeiros anos em Inglaterra. Veio para Portugal aos cinco anos, para a zona de Oeiras, onde se mantém. Do Reino Unido não guarda lembranças ou afetos especiais e, quando lá vai, porta-se como um verdadeiro turista.
Fã de banda desenhada, especialmente do universo do fantástico e dos heróis sem poderes, como Punisher e Batman, há muito que não desenha em papel, exceto quando está a brincar com os filhos, de 6 anos e de 18 meses. Talvez ainda sejam muito pequenos para perceberem que o pai, antes de ser conhecido e querer passar despercebido, já tinha sido visto na televisão pelo País inteiro.
Há sete anos, o seu pedido de casamento a Maria João Luís, técnica de radiologia, deu origem a um anúncio de uma empresa de telecomunicações no Dia dos Namorados. Apesar de continuar a ser reservado quanto à exposição da sua imagem, Luís Rodrigues já teve a sua história de amor escarrapachada no pequeno ecrã. Depois, foi a vez de Luís ser surpreendido pela mulher: quando pensava que ia a um batizado, entrou no seu próprio casamento. Apanhado!