Reza a História que o cardeal Richelieu, quando era o todo-poderoso primeiro-ministro do rei Luís XIII, proibiu a recolha de ostras em França nos meses que não têm a letra “R” no nome. De maio a agosto, além de se protegerem as espécies durante a época da reprodução, evitava-se que as condições de transporte e conservação, na altura precárias, viessem a provocar intoxicações graves.
O decreto nada dizia sobre o sabor mais aguado que os bichos têm no verão. Gastronomia à parte, estávamos na primeira metade do século XVII e Paris mostrava-se, uma vez mais, avant garde.
Ou nem por isso, conclui-se agora ao ler as conclusões de um estudo realizado por investigadores do Museu de História Natural da Flórida, EUA, que analisaram um grande monte de conchas de ostras em St. Catherine, uma das chamadas “ilhas de ouro” na costa da Geórgia, nos Estados Unidos. Segundo descobriram a arqueóloga Nicole Cannarozzi e o paleontologista Michal Kowalewski, há já 4 300 anos que os habitantes daquela ilha limitavam a colheita de ostras aos meses entre setembro e abril, inclusive.
Os dois cientistas concentraram-se num amontoado de conchas com cerca de 70 metros quadrados e mediram uns caracóis parasitas que costumam agarrar-se às ostras, os Boonea impressa. Como estes pequenos caracóis têm um ciclo de vida de 12 meses, o seu comprimento na altura da morte dá uma estimativa fiável da data em que morreu a ostra hospedeira. Os dois investigadores puderam, então calcular a época em que os ilhéus colhiam os bivalves e concluíram que não o faziam entre maio e agosto.
O grande monte de conchas de St. Catherine pode ser um dos registos mais antigos de apanha sustentável, notam Cannarozzi e Kowalewski no artigo que publicaram na revista científica PLOS ONE. Naquela região dos Estados Unidos, as ostras desovam entre maio e outubro; ao não fazerem a colheita no verão, os habitantes de St. Catherine permitiam – propositadamente ou não – que os bivalves se multiplicassem em paz e sossego.
Além da sustentabilidade, a velha crença popular de que nos devemos abster de apanhar e comer moluscos com casca durante os meses com a letra erre no nome baseia-se no medo de envenenamento. É o verão que o fitoplâncton tem mais dinoflagelados, que são uns seres microscópicos fotossintéticos responsáveis pela produção de toxinas.
O ciclo reprodutor também tem influência na gastronomia, lembra Nuno Leonardo, um dos sócios da Aqua Prime. “A ova dá um sabor muito metálico e é uma massa consistente. E, durante o período do verão, a ostra está a maturar, fica leitosa.” É por essa razão que esta empresa com viveiros na Ria Formosa, frente à península do Ancão, só comercializa ostras estéreis.