Quase nada do que diz Gwyneth Paltrow no portal Goop (marca de lifestyle avaliada em 220 milhões de euros) é para seguir à risca, pois carece de fundamentação científica. Porém, os mitos que propaga dão que falar – e sobre isso não há dúvidas. No portal de luxo da atriz californiana não poderiam faltar as receitas de limonada e infusões de carvão vegetal ativado, cada vez mais frequentes nas dietas detox, por supostamente ajudarem a eliminar toxinas, a fazer a digestão e a reduzir o inchaço e a flatulência.
Também no Instagram se multiplicam milhares de fotografias de lattes escuros, smoothies com ar lamacento e bolas de gelados a lembrar alcatrão. “Na alimentação sempre houve uma atração pelas cores. Já se usaram pratos todos brancos e todos negros, criando um impacto enorme e até desorientador. Recorre-se ao carvão para colorir e para dar o sabor ‘umami’ e terroso aos alimentos”, explica Fátima Moura, autora de vários livros na área da gastronomia.
Relatos ancestrais mostram como, ao longo dos séculos, o carvão vegetal foi usado em mezinhas, na tentativa de curar algumas doenças, e também como antídoto, graças às suas propriedades de absorção. “Quem tiver medo de ser envenenado com a comida de algum chefe pode ficar satisfeito se ele usar carvão ativado, porque desde a Antiguidade sempre foi tomado para combater envenenamentos”, reforça Fátima Moura. Faltam, no entanto, estudos que sustentem estas capacidades.
Obtido a partir da carbonização de madeiras ou de cascas de coco, o carvão vegetal ativado é agora usado numa série de alimentos, conferindo-lhes uma cor negra que suscita muita curiosidade. No Reino Unido, a cadeia Pret a Manger vende, por cerca de dois euros, o charcoal shot, uma minigarrafa com um sumo escuro, feito da mistura de carvão ativado, água de coco, limão e maçã. Já a norte-americana Zest Juice prepara a sua limonada de carvão com água, limão, abacaxi, pepino e extrato de alecrim. Mas não nos ficamos pelos sumos. Nos gelados da Little Damage, em Los Angeles, tanto o cone como as bolas são pretas; a britânica Manor Farm Shop produz um queijo cheddar maduro, cremoso e de tonalidade negra; e o cachorro-quente da Vegas Premium Hot Dogs, em Tóquio, tem um ar esturricado por causa da cor da salsicha de 30 centímetros num pão igualmente preto. Já em 2015, a cadeia Burger King, por alturas do Halloween, tinha lançado um hambúrguer com pão feito de carvão. E até os delicados macarons franceses têm a sua versão carbonizada.
Carbonizados à portuguesa
A verdade é que quanto mais escuro se tornar o alimento, menos natural e mais processado é o carvão utilizado. No Loco, em Lisboa, restaurante com uma Estrela Michelin liderado pelo chefe Alexandre Silva, de cada vez que se usa carvão vegetal acende-se a fogueira para fazer a própria carbonização. Depois de a lenha estar em brasa, a sua madeira é adicionada a uma simples infusão de leite e natas. “Ao longo de todo o processo não se usa qualquer tipo de químico”, explica Carolina Pereira, 22 anos, chefe de pastelaria que já criou uma sobremesa de alperce, amêndoa e gelado de carvão.
E, para quem pensa que está a saborear madeira, Carolina lembra que quando comemos canela, estamos a ingerir madeira pura e dura. À tal infusão de leite e natas com o carvão são depois adicionados estabilizantes e um pouco de açúcar. O resultado é um gelado delicado de um tom acinzentado muito suave, com um sabor fumado, a lembrar o cheiro que fica numa sala quando a lareira está acesa. Também na Sala de Corte, o chefe Luís Gaspar combina o ananás dos Açores na brasa com um original gelado de carvão. O sabor do fumo nos pratos salgados é algo mais familiar, por isso nos doces torna-se mais surpreendente.
Chocar foi precisamente a intenção da Berlineta quando, no início de janeiro, lançou a bola de Berlim com carvão. “Trabalhamos cor e sabor e queríamos criar um novo produto vegan para chegar a mais pessoas”, conta o italiano Alessandro Iuliano. Havia duas opções: usar farinha com tinta de choco, como já tinha feito há cinco anos quando começou a vender bolas de Berlim na praia na zona de Lisboa, ou escolher carvão vegetal. E assim fez, inspirado por pizzas e croissants pretos que já tinha visto em outros países. Depois de várias experiências, Alessandro chegou à fórmula certa: 30 gramas de carvão para 2 quilos de farinha de trigo dão a cor a quase 30 bolas de Berlim, totalmente pretas. Esta foi a opção mais cara (meio quilo de carvão ronda os €50) – mas nem por isso se reflete no preço de cada bola (€1,50) –,que só ganha cor com os recheios de cremes de frutas (morango, frutos do bosque, kiwi, mirtilos, maracujá, maçã). Quem escolher o recheio de creme de carvão sentirá alguns grãos do pó preto.
Em 2015, ainda antes de receber duas Estrelas Michelin no Alma, o chefe Henrique Sá Pessoa já “brincava” com pó de carvão vegetal. Na altura, criou um snack que consiste em pimentos no carvão (fritos num polme muito leve que usa o preparado preto) com molho de pimentos. Crocante, saboroso e de chorar por mais.
Também Diogo Noronha fez uma entrada para o menu do Pesca com espargos verdes na brasa com cantarelos glaceados, mostarda do mar, queijo da Ilha e carvão vegetal. No renovado Palácio Chiado, o Farrobodó, um dos três restaurantes sob os comandos do chefe Manuel Bóia, serve um queijo biológico de cabra em cura de carvão vegetal. Já no Refeitório Senhor Abel, do chefe argentino Chakall, a pizza mais pedida é a preparada com massa de farinha de carvão vegetal “obtida com tipos de lenha como álamo, bétula, salgueiro, através de um processo de pirólise (decomposição térmica que acontece na ausência de oxigénio)”, como descreve a ementa.
Quem provar às cegas o Aloha é provável que não acredite nos ingredientes que leva este cocktail do Red Frog, bar da Rua do Salitre, em Lisboa. Dentro do copo de barro cinzento esconde-se uma mistura extravagante de gin, vinho à base de bagas goji, amêndoa, carvão ativado, tinta de choco e leite de durião, fruta exótica conhecida como a mais mal cheirosa do mundo. Não falta imaginação.
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