A plumagem exuberante das aves-do-paraíso e a cauda extravagante dos pavões intrigaram de tal maneira Charles Darwin que o naturalista britânico ensaiou uma explicação adicional ao conceito de seleção natural, a ideia-chave da sua Teoria da Evolução (1859). Aquelas características escapavam à tese de que, ao longo dos tempos, as espécies preservam apenas os traços que beneficiam a aptidão para sobreviverem e se reproduzirem em determinado meio ambiente. Apesar de deslumbrantes, nem as penas espalhafatosas das aves-do-paraíso nem o “leque bordado” dos pavões servem tão nobres propósitos – pelo contrário, estes ornamentos vistosos captam a atenção de predadores e constituem um empecilho na hora de lhes fugir.
Darwin avançou então com o conceito de seleção sexual (1871) para decifrar os casos em que certas características dos animais, sobretudo nos machos, evoluem não por qualquer vantagem adaptativa, mas por mera preferência das fêmeas. Ao privilegiarem parceiros com tais aparências, estas acabam por se tornar mais predominantes nas gerações seguintes, por efeito da hereditariedade. O porquê de as fêmeas mostrarem preferência por algumas características e não outras ficou por esclarecer.
Uma vez que, durante mais de cem anos, até à década de 80 do século XX, este conceito de Darwin nem sequer era amplamente reconhecido pela comunidade científica (hoje é praticamente consensual que, em quase todo o mundo animal, prevalece a vontade da fêmea no processo evolutivo), as hipóteses sobre o porquê demoraram a chegar. Uma das principais sugere que certas marcas distintivas, como a juba mais escura nos leões ou as hastes maiores nos alces, mais não são do que um sinal de bons genes dos machos, dando pistas de que são mais resistentes a parasitas e a doenças, justificando assim a preferência das fêmeas. Outra aponta para uma espécie de atração irresistível perante a forte estimulação do sistema sensorial, por exemplo através do som que certos sapos emitem para cortejar. E não faltam as explicações que chegaram a ter algum impacto, mas foram perdendo valor científico.
Há campo aberto no conhecimento biológico para novas abordagens. E se não existir uma explicação funcional por detrás de cada escolha? E se tudo se resumir a um encanto estético, arbitrário, sem outra causa que não a valorização do que é belo no outro? É esta a tese revolucionária de Richard Prum, um biólogo evolucionista da Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América, que dedicou toda a vida à investigação de aves. Para este ornitologista, os pássaros são como são “porque é assim que as fêmeas gostam deles”.
Um conceito fugidio
Nos anos 30 do século passado, o britânico Ronald Fisher já havia avançado com a ideia de que a atração arbitrária entre seres era a força motora no processo evolutivo, mas ninguém tinha chegado ao ponto de propor a beleza, um conceito tão subjetivo, como o elemento catalisador. Tal como a conceção de Darwin sobre a primazia das fêmeas em determinadas escolhas foi desprezada durante mais de um século, este passo em frente de Prum não está a ser levado a sério.
“A ideia é apelativa, mas nem um cientista ficou convencido, porque ele não diz como é feita essa seleção pela beleza”, sublinha o biólogo evolucionista Paulo Gama Mota. “A beleza é um dos conceitos mais fugidios, não há uma dimensão objetiva do belo. Tendo em consideração o nosso mau gosto, nem na espécie humana existe consenso sobre o que é belo”, argumenta este professor da Universidade de Coimbra, reconhecendo, ainda assim, que “não tem sido fácil encontrar uma causa para a evolução da cauda do pavão”.
Será um sinal de bons genes? Nada o indica, por agora. E até prova em contrário, sustenta Richard Prum, deve ser interpretado como a estética a impor a sua lei na Natureza. “A beleza não é uma característica biológica e, por isso, não se pode confundir com o conceito de seleção sexual”, contrapõe André Levy, outro biólogo evolucionista. “É claro que, entre os humanos, existe uma tendência para se escolher parceiros com idade semelhante, falantes da mesma língua e do mesmo estrato social, mas existem sempre exceções. A beleza é uma consideração estética e cultural, e alguns encontram-na até nas coisas mais rudes e toscas”, alega. E, para reforçar o seu ceticismo sobre a hipótese de Prum, lembra que a ideia de beleza feminina tem variado ao longo da História, da “gordura é formosura” aos corpos esguios que conquistaram as passerelles.
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