Há quem veja no maior órgão do corpo humano uma tela para inscrever pinturas de guerra, expressões de amor ou eternizar marcos de uma jornada pessoal. Por moda, culto ou símbolo de pertença, a pigmentação da derme é uma arte com técnica que tem cada vez mais adeptos e se transformou numa indústria florescente à escala global.
Estima-se que, na União Europeia (UE), 12% das pessoas sejam clientes dos serviços de tatuagens, piercings e maquilhagem definitiva, sem preocupações acerca da sua certificação ou de eventuais riscos para a saúde. Tendo em conta que apenas sete países europeus têm legislação sobre o assunto – e Portugal não é um deles –, a Comissão Europeia (CE) decidiu fazer um raio X no terreno e identificou dois riscos que comprometem a segurança e a saúde dos utilizadores: apenas um décimo dos tatuadores a operar em território europeu é profissional; as tintas contêm impurezas com algum grau de perigosidade, sobretudo se a zona da pele tatuada for exposta a raios ultravioleta e a laser.
Na última década, 95% dos alertas da CE deveram-se a riscos químicos (aminas aromáticas cancerígenas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e metais pesados) e os restantes a riscos microbiológicos (uso de água da torneira para diluição e falhas na esterilização). Os resultados de estudos publicados na Nature e na Scientific Reports sugerem a presença de nanopartículas das tintas nos gânglios linfáticos, deitando por terra a ideia de que as substâncias injetadas não ficam sempre, e apenas, alojadas na derme.
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Aliona Carval, maquilhadora certificada em estética médica, a trabalhar no centro de Lisboa, assegura que a maioria dos pigmentos já é produzida de acordo com as normas da UE. Contudo, as reações alérgicas existem e tendem a manifestar-se sob a forma de inchaço e comichão, sobretudo quando são usadas as cores vermelho e laranja. Geralmente, “o pigmento acaba por ser expulso pelo sistema de defesas do organismo, na zona da ferida”. Aliona, que também faz remoção de tatuagens a laser, não teme riscos face à eventual absorção de pigmento, assinalando que “o processo de eliminação varia em função do metabolismo de cada um.”
Até agora, os motivos de preocupação estavam circunscritos às tatuagens temporárias à base de hena, com adição de parafenilenodiamina, corante natural proibido, responsável por reações alérgicas e eczemas de contacto. O alerta chegou em agosto, pela Deco Proteste, que desaconselhava as tatuagens de hena preta. Voltando às tintas injetáveis, a CE quer avançar na certificação de materiais e na harmonização de leis e, após a consulta pública das propostas das comissões científicas, vai definir as restrições aplicáveis a fabricantes e a distribuidores.
Com conta, peso e medida
Questionados sobre o assunto, profissionais portugueses estabelecidos no mercado há vários anos fizeram saber que são favoráveis à regulamentação, até por usarem materiais homologados. “Felizmente, só vendemos produtos testados e aprovados para comercialização no espaço europeu”, avança Carlos Pereira, da Piranha Global, o maior distribuidor de tintas de tatuagem no nosso país e que exporta para mais de 50 países. O distribuidor mostra-se também favorável à legislação para profissionais, que “devem ter carteira de tatuador e de body piercer”.
Olhando para os países vizinhos França e Espanha, que fazem parte do grupo dos sete da UE com legislação neste campo, é legítimo que haja alguma apreensão, como atesta um artigo recente do El País: as restrições foram tantas que só uma empresa obteve permissão para comercializar produtos. Porém, os tatuadores credenciados permanecem fiéis às suas marcas de eleição, mesmo incorrendo no risco de penas de prisão. No meio profissional português comenta-se que vários estúdios fecharam pelo excesso de exigências a cumprir. Quem vai às convenções e trabalha com marcas de confiança sabe que sai caro, mas compensa. “Num caso de reação alérgica, o fabricante enviou prontamente informação sobre a composição ao médico da cliente.” No entanto, nem todos se pautam por estas balizas: “É fácil encomendar pigmentos num site chinês a preços muito baixos, sem preocupações de maior, toxicológicas incluídas”, assegura um tatuador, que pediu anonimato.
Contactada pela VISÃO, a Agência Europeia das Substâncias Químicas lembra que as mudanças em curso visam proteger a saúde: “Não é nossa intenção banir a atividade, mas sim limitar a exposição a químicos perigosos.” Segundo o regulamento da UE (REACH), cabe às empresas identificar e gerir os riscos associados às substâncias produzidas ou comercializadas. Se assim não for, e só então, as autoridades podem restringir o seu uso.
A lista de substâncias sujeitas a restrições deve entrar em vigor em meados do próximo ano e cada um dos 28 países vai ter de se organizar para fazer cumprir a lei. E fiscalizá-la. Em Portugal, os fabricantes serão tutelados pela inspeção do Ministério do Ambiente. Os distribuidores, grossistas e retalhistas prestarão contas à ASAE, os importadores à Autoridade Tributária e as questões de saúde (controlo do uso de biocidas e conservantes) vão ficar sob a alçada da Direção-Geral da Saúde e da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária.
Entretanto, a Deco Proteste pediu a seis jovens com idades entre os 14 e os 15 anos que fossem a estúdios de tatuagens para apurar se os profissionais tinham em conta a menoridade. A conclusão é preocupante: em 40 visitas, apenas sete profissionais recusaram e oito pediram a autorização dos pais. Teresa Rodrigues, responsável pelo estudo, afirma que estas práticas são “inaceitáveis”. Lembrando que o projeto-lei apresentado na Assembleia da República, há dez anos, ficou na gaveta e que os piercings e tatuagens se fazem em maior número, a analista comenta: “A questão da idade mínima deve estar contemplada na lei, tal como sucede noutros países europeus.”