O juiz Alfredo Costa, que lidera o julgamento da Operação Fizz, insistiu esta tarde para saber mais pormenores sobre os contactos entre o advogado Daniel Proença de Carvalho e o ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Da parte da manhã, Proença confirmara vários encontros com Orlando Figueira a partir de maio de 2015. Contou que intermediara contactos entre o procurador e o representante da empresa Primagest para pôr fim ao contrato entre Figueira e aquela empresa angolana.
Proença voltou a insistir que só nessa data conheceu Orlando Figueira, que não sabia em que circunstâncias tinha o procurador saído do DCIAP, sido contratado pelo BCP ou feito o contrato com a Primagest. O primeiro contacto, insistiu, tinha sido em maio de 2015 e só uns meses depois Orlando Figueira lhe tinha contado que estava a ser investigado pelo DCIAP. Caso contrário, não teria feito diligências para o procurador receber um acerto de contas da Primagest: “Nunca me iria prestar a que o Dr. Orlando Figueira recebesse uma quantia quando estava a ser investigado. (…) Se em maio de 2015 eu tivesse conhecimento de que existia um inquérito deste tipo, eu sou um advogado com alguma experiência de vida, com uma reputação de que me orgulho, se calhar fui um ingénuo… A última coisa que lhe diria é que iria receber mais umas quantias.”
E o que tinha Proença a dizer sobre o documento que Figueira entregou ao tribunal em sua defesa, dizendo que fizera um “acordo de cavalheiros” com Proença de Carvalho para não falar do seu nome, do nome do banqueiro Carlos Silva ou da existência de uma conta em Andorra? O advogado e presidente do conselho de administração da Global Media falou de “pura invenção”: “As pessoas defendem-se, criam teorias, não posso dizer que me senti bem quando estratégias de defesa alheias usam processos destes.”
Neste ponto, Proença de Carvalho aproveitou para falar pela primeira vez do juiz Carlos Alexandre, amigo há mais de duas décadas de Orlando Figueira, e que contou no processo, quando ouvido como testemunha, que o procurador lhe contara que Proença tinha tido um envolvimento na sua contratação. “A que título é que o Dr. Orlando Figueira, que nunca me tinha visto, que não me conhecia de lado nenhum, me viria confessar o seu passado? Se ele nem o disse ao seu grande amigo Carlos Alexandre… porque se o soubesse tinha obrigação de o participar.” Mais tarde aproveitou para voltar a falar novamente do juiz: “Quando veio falar comigo sobre estar a ser investigado disse-me que também o tranquilizava muito a amizade com o Dr. Carlos Alexandre.” Sentado no banco dos arguidos, Orlando Figueira, que deve ouvir as testemunhas em silêncio, não se conteve e disse bem alto: “Inqualificável.”
De resto, acrescentou Proença, se Orlando Figueira precisasse de falar com Carlos Silva bastaria ligar para o BCP: “Orlando Figueira trabalhava no BCP. Carlos Silva era vice-presidente do BCP. Falar com o Dr. Carlos Silva é a coisa mais fácil que há. É ligar para o banco, estão lá os números. É tão fácil ligar para o meu escritório como para Carlos Silva.”
Frisando que uma das testemunhas do processo contou em julgamento que reencaminhou Orlando Figueira para Proença de Carvalho a pedido de Carlos Silva, a advogada do ex-procurador do DCIAP acusado de corrupção comentou: “Com todo o respeito, sr. Dr., falar com o vice-presidente de um banco não é o mesmo que falar com o sr. Dr., que é conhecido e famoso em Lisboa.”
Proença de Carvalho recusou em determinado momento ser tratado como “um intermediário” entre a Primagest e Orlando Figueira – “vá lá, mediador”, disse -, contou que os contratos com a Primagest não lhe cheiraram “a nada de esquisito” e reforçou que não conhecia Orlando Figueira até 2015: “Nem sequer sabia quem era o Dr. Orlando Figueira, depois vim a saber que tinha sido procurador do processo Banif, onde tive uma intervenção não processual.”
E depois destas intervenções, Proença de Carvalho não tinha sido chamado ao Ministério Público para prestar declarações na fase de inquérito da Operação Fizz?, quis saber Rui Patrício, advogado de Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola. “Não, nunca fui abordado”, respondeu Proença.
Proença de Carvalho apenas foi chamado na fase de julgamento a prestar declarações como testemunha. Manuel Vicente, acusado de pagar 760 mil euros a Orlando Figueira para que o procurador arquivasse um inquérito que corria contra si no DCIAP, será julgado num processo à parte, por decisão do colectivo de juízes. Orlando Figueira, Paulo Blanco (advogado que à data representava o Estado angolano em Portugal) e Armindo Pires (representante legal de Manuel Vicente em Portugal) são os outros arguidos deste processo.
Devido à reviravolta surgida, primeiro com a contestação de Paulo Blanco, depois com a nova versão de Orlando Figueira, que implica Proença de Carvalho e Carlos Silva, os juízes já anunciaram que, caso surjam novos factos em julgamento que impliquem estes novos intervenientes, irão remeter esses mesmos factos para o Ministério Público.