Terá sido no dia 14 de Setembro do ano passado, pelas 16h30m, que Proença de Carvalho se terá deslocado ao escritório de advogados Cuatrecasas, na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa. Lá aguardava-o o colega de profissão Paulo Sá e Cunha e também Orlando Figueira, o procurador que está a ser julgado na Operação Fizz por suspeitas de receber 760 mil euros de Manuel Vicente e que à data era oficialmente representado pelo advogado da Cuatrecasas (Paulo Sá e Cunha).
Orlando Figueira, que se encontrava em prisão domiciliária com vigilância eletrónica, pediu até antecipadamente à juíza de instrução criminal autorização para sair de casa naquele dia, entre as 15h e as 19h30, “a fim de se poder deslocar ao escritório dos seus defensores”.
Este encontro, que a VISÃO confirmou junto de fontes próximas da Operação Fizz, dará força à tese que Orlando Figueira só viria a expor ao tribunal cerca de três meses depois desta reunião: que Proença de Carvalho comprara o seu silêncio no processo, em troca da promessa do pagamento dos honorários do seu advogado e de um bom emprego no futuro.
Apesar de a VISÃO ter confirmado esta informação com grandes detalhes junto de fontes conhecedoras do processo, Proença de Carvalho respondeu assim: “Desminto essa falsa informação.” Paulo Sá e Cunha alegou não poder pronunciar-se “por razões de sigilo profissional”, de que ainda não foi dispensado, uma vez que representou Orlando Figueira. Acrescentou ainda que o seu silêncio não pode “ser entendido como a confirmação de quaisquer afirmações que tenham sido feitas a esse respeito”.
Reviravolta no processo
Em dezembro, depois de Paulo Sá e Cunha renunciar ao cargo de defensor de Orlando Figueira – por alegados desentendimentos sobre a estratégia de defesa que deveriam seguir na contestação apresentada ao tribunal de julgamento –, o antigo procurador acusado de receber dinheiro para arquivar processos que corriam contra o ex-vice-presidente de Angola (Manuel Vicente) no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) apresentou uma exposição ao tribunal em que contava uma versão drasticamente diferente da que defendera até ali.
Desta vez, dizia ter ficado em silêncio sobre algumas personagens importantes na história porque fizera um “acordo de cavalheiros” com Proença de Carvalho, advogado e presidente do conselho de administração da Global Media. Esse acordo, expôs Orlando Figueira, implicava não falar do papel de Proença de Carvalho nem do banqueiro Carlos Silva, vice-presidente do Millenium BCP e presidente do Banco Privado Atlântico, que, diz agora Figueira, foi quem lhe ofereceu trabalho para sair do DCIAP. Essa proposta terá sido feita pela primeira vez quando se encontraram em Luanda por volta de abril ou maio de 2011. Ambos já se tinham conhecido no DCIAP em 2010, no âmbito de um processo em que Carlos Silva foi chamado a prestar declarações..
“O arguido compreende a dificuldade que os seus mandatários de então tinham de aceitar essas alterações [à contestação] pois iriam pôr a nu a intervenção dos referidos personagens, sendo certo que se eu era o seu cliente, quem lhes pagava ou, segundo o Dr. Paulo Sá e Cunha, ia pagando, com muitos atrasos, os honorários da minha defesa era o Dr. Carlos José da Silva através do Dr. Daniel Proença de Carvalho”, diz Orlando Figueira nessa exposição, acrescentando que numa das primeiras vezes que Paulo Sá e Cunha o foi visitar ao Estabelecimento Prisional de Évora [onde ficou em prisão preventiva] lhe teria dito que “não se preocupasse com o pagamento de honorários pois o Dr. Daniel Proença de Carvalho dissera-lhe que, em nome do Dr. Carlos José da Silva, lhe asseguraria esse pagamento”.
Nessa exposição a que a VISÃO acedeu (e que primeiramente foi divulgada pela Sábado), o procurador acusado de corrupção defende que “o acto aparentemente tão generoso” de Proença de Carvalho tinha uma “segunda intenção” camuflada: o advogado pedira-lhe para nunca mencionar o nome de Carlos Silva nem referir a existência de uma conta em Andorra. Carlos Silva, diz Orlando Figueira nessa exposição, “terá tido medo dos conhecimentos que, porventura, o arguido tivesse relativos a alguns dos seus ‘podres’, ainda decorrentes do chamado processo Banif de que o arguido fora titular e, por isso, quis afastar o arguido do DCIAP acenando-lhe com uma “cenoura”, um contrato de trabalho que nunca teve a intenção de cumprir na sua totalidade”.
Carlos Silva tem negado consecutivamente as acusações. O banqueiro nega ter sido o autor da proposta de trabalho que levou Orlando Figueira a sair do DCIAP para o setor privado e nega também ter responsabilidade nas transferências feitas para o magistrado através do Banco Privado Atlântico. Notificado para prestar declarações em julgamento enquanto testemunha, o banqueiro anunciou recentemente em comunicado e também numa carta enviada ao tribunal nunca ter recebido esta notificação na sua morada em Luanda e disse-se disponível para prestar declarações no julgamento, desde que por videoconferência.
Proença de Carvalho, que também será ouvido no julgamento como testemunha, começou por desmentir todos os factos. Mas mais recentemente anunciou que iria pedir o levantamento do sigilo profissional para poder contar o que sabe sobre o assunto. Um telefonema feito por Orlando Figueira a Proença de Carvalho, a 23 de Fevereiro de 2016, dia em que o procurador foi alvo de buscas e conduzido para primeiro interrogatório judicial (23 de fevereiro de 2016), também confirma a existência de contactos anteriores entre ambos. Nesse telefonema divulgado pelo SOL, Orlando Figueira pede para ser defendido por Proença de Carvalho, enquanto o advogado lhe diz que essa não é a melhor forma: “Como sabe a minha intervenção foi mais recente e para eu ser mais útil nessa matéria penso que não me seja conveniente. Penso que será melhor outra pessoa.”
Os nomes de Proença de Carvalho e de Carlos Silva também foram implicados no processo por Paulo Amaral Blanco, o arguido que representava o Estado angolano em processos a decorrer em Portugal.
O Ministério Público já adiantou que caso surjam factos novos em julgamento será extraída uma certidão da Operação Fizz para investigar a conduta de Proença de Carvalho.