Os cuidados extremos de confidencialidade começam logo nos membros da Comissão de Programas Especiais de Segurança (CPES), presidida pelo juiz-conselheiro jubilado Armando Leandro. Não há trocas por e-mail dos dossiês em que trabalham. Nem sobre eles falam ao telefone. São regras de ouro para garantir a proteção de testemunhas preciosas, e seus familiares, na luta contra a alta criminalidade, um submundo no qual não se hesita em matar quem colabora com a Justiça.
Neste momento, beneficiam de programas especiais de segurança, custeados pelo Estado, 24 pessoas – 15 testemunhas e nove familiares. E essa proteção pode continuar mesmo após o desfecho do processo em causa. Desde o seu início, em 2003, já beneficiaram, ou beneficiam, de programas especiais de segurança 93 pessoas, 44 das quais testemunhas e 49 familiares.
Os depoimentos ou declarações de testemunhas sob proteção especial dizem respeito a “crimes de tráfico de pessoas, de associação criminosa, de terrorismo internacional ou de organizações terroristas ou, desde que puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a oito anos, a crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade das pessoas, contra a liberdade ou autodeterminação sexual, de corrupção, de burla qualificada, de administração danosa que cause prejuízo superior a um milhão de euros, ou cometidos por quem fizer parte de organização criminosa no âmbito da finalidade ou atividade desta” – responde a CPES à VISÃO.
É um patamar de proteção bem mais sofisticado do que, por exemplo, aquele que foi concedido às testemunhas do processo da Casa Pia, que apenas beneficiaram de medidas pontuais de segurança, garantidas por uma unidade especializada da PSP. Mas como acedem estas testemunhas, que aceitam depor contra arguidos de criminalidade violenta e altamente organizada, a um programa especial de segurança?
Os seus depoimentos ou declarações têm de constituir “um contributo probatório de relevo” e não pode ser “fundadamente posta em dúvida a credibilidade da testemunha”, esclarece a CPES. Em paralelo, há que comprovar que “a testemunha, seus familiares, a pessoa que com ela viva em condições análogas às dos cônjuges ou outras pessoas que lhes sejam próximas correm um grave perigo de atentado contra a vida, a integridade física, a liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado”.
A CPES funciona na dependência direta da ministra da Justiça, a quem cabe estabelecer e assegurar a concretização do plano de proteção, mas “é da competência exclusiva” da comissão “decidir pela aplicação ou rejeição de um programa especial de segurança”, sublinha o organismo presidido pelo juiz-conselheiro Armando Leandro.
O anonimato da testemunha no processo é o primeiro item a garantir. Para o efeito, é realizado um “processo complementar, secreto e urgente, de não revelação de identidade, tendo em vista apurar a existência dos pressupostos da concessão da medida de proteção, sendo que, antes de proferir a decisão, o juiz de instrução convoca o Ministério Público e o representante da defesa para um debate oral e contraditório sobre os fundamentos do pedido”, explica a CPES.
Por vezes, a testemunha com proteção especial é, ao mesmo tempo, arguida no inquérito-crime em questão. O que lhe acontece? “A colaboração significativa do arguido beneficiário de um programa especial de segurança na descoberta da verdade pode favorecê-lo, atenuando a pena”, responde a comissão. É um eufemismo para pena suspensa.
QUEM ÉS TU?
Os programas especiais de segurança não são um filme – mas parecem. Além da obrigatória proteção policial, admitem operações plásticas que mudem a fisionomia do rosto ou a aparência do corpo dos beneficiários. Também lhes são fornecidos documentos emitidos oficialmente com elementos de identificação diferentes dos originais. Ou seja, mudam de cara e de nome.
Podem, igualmente, mudar de casa e, até, ir viver para o estrangeiro, com viagens pagas pelo Estado, verbas que se estendem aos agregados familiares e haveres que queiram transportar para a nova habitação.
É-lhes ainda concedido um subsídio de “subsistência”, por um “período limitado”. Mas os programas especiais de segurança auxiliam os beneficiários a criarem, depois, “condições para angariação de meios de subsistência” – isto é, ajudam-nos a encontrar um emprego ou a frequentar cursos de formação, “tendo em consideração, na medida do possível, as suas habilitações académicas e profissionais”.
Em termos estritos de segurança, os programas revelam 100% de eficácia, segundo a CPES: “Não há casos de testemunhas ou familiares que tenham sofrido retaliações violentas.”