Paulo Almeida, investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, ainda hoje recorda os ensinamentos de Henrique Ribeiro, antigo professor daquela casa, e uma referência no estudo dos insetos. E já há anos que pretendia “vingar” a memória do mestre, mostrando que este tinha razão quando afirmava a presença, em Portugal, da espécie de mosquitos que é o principal transmissor do vírus do Nilo Ocidental.
Esta infeção, conhecida como febre do Nilo, transmite-se pela picada de um mosquito e pode ser confundida com uma gripe, em 80 por cento dos casos. Porém, nos casos mais graves chega a afetar o sistema nervoso, provocando uma infeção no cérebro (encefalite), potencialmente fatal.
Até agora, nas publicações científicas, era comum referir-se que na Península Ibérica não existia a espécie de mosquito Culex univittatus, o veículo mais comum na transmissão do vírus, que vive em África – mas sim o Culex perexiguus, presente na Turquia. Esta era a hipótese defendida por uma equipa de investigadores britânicos, que contradizia o estudo de Henrique Ribeiro, feito já na década de 80 do século passado.
“Queríamos repor a verdade dos factos”, sublinha Paulo Almeida, especialista em entomologia médica, que já tinha concorrido a financiamento para a investigação, mas não tinha sido bem sucedido. Quando foi convidado a dar aulas na Universidade de Pretória, na África do Sul, aproveitou a temporada no país para recolher amostras de mosquitos, que serviram para comparar com alguns indivíduos apanhados em Portugal e congelados no Instituto.
Aí começou um trabalho de minúcia e paciência. Foi preciso dissecar cada um dos mosquitos e analisar ao microscópio as várias partes do corpo, sobretudo os genitais (o que permite distinguir bem uma espécie da outra). Esta análise, dita morfológica, implica manipular e observar estruturas com menos de um milímetro, como o tinha feito Henrique Ribeiro. Aliado a este estudo mais convencional, Paulo Almeida pôde socorrer-se ainda das técnicas de biologia molecular, de análise ao material genético dos mosquitos. Os resultados vieram dar razão, sem margem para dúvidas, ao que já se defendia em Portugal: o Culex univittatus também vive no nosso país e em Espanha.
“Confirmamos que temos em Portugal um bom vector para o vírus do Nilo Ocidental, além de outros como o Culex pipiens que também temos. Prova, no fundo, que a especie Culex univittatus não está restrita a África, conforme se pensou e afirmou”, resume Paulo Almeida.