Ironicamente, estou sentada enquanto dedilho no teclado para dar forma a este texto. Já passei toda a manhã nisto, enquanto lia acerca do tema e contactava algumas pessoas para me ajudarem a arrumar ideias. Fiz por me levantar, especialmente quando os meus olhos bateram nas recomendações médicas para atenuar os efeitos devastadores de passar um dia atrás do outro à secretária.
Eu sou só eu. Entre os leitores, haverá mais uns quantos milhares a trabalharem sentados durante quase todo o dia, a irem e voltarem dos seus empregos de carro e a passarem os serões no sofá (e, claro, poucos estarão de pé a ler este texto). Se não nos começarmos a mexer, alertam os especialistas, estaremos todos condenados a uma sentença de morte: o risco de doença cardíaca aumenta em 64%, assim como o de contrair cancro da próstata ou mama sobe para 30%, perdem-se em média sete anos de vida com qualidade e ganha-se propensão para a diabetes. Já para não falar nas mais óbvias maleitas das costas – ao fim de apenas 20 minutos, a coluna já está a ser pressionada, tempo que não representa nem um décimo daquele que os portugueses passam à secretária (estudos apontam para que 70% seja gasto em comportamentos sedentários). “A coluna vertebral sofreu uma adaptação para a marcha. Estar sentado altera a biomecânica normal das suas curvaturas e condiciona a sobrecarga musculo-ligamentar que está na origem da dor”, alerta Luís Teixeira, o presidente da Associação Nacional Spine Matters.
Ora de pé, ora sentado
De acordo com um estudo da Nature, mal uma pessoa se senta, a atividade elétrica dos músculos abranda e a queima de calorias cai ao nível de uma por minuto. Ao fim de cinco dias, o corpo aumenta a produção de triglicéridos, do mau colesterol e a resistência à insulina. Depois de duas semanas, os músculos começam a atrofiar e desce o consumo de oxigénio. Quando se cai na rotina, todos estes efeitos tendem a atenuar-se. “Trata-se de um comportamento que não ajuda ao normal funcionamento do organismo, porque não existe estímulo às milhares de células, e isso gera alterações de sentido contrário em relação às associadas à atividade física”, realça Luís Sardinha, investigador da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa.
Quando o problema começou a ser falado, dizia-se que nem o exercício que eventualmente se fizesse, antes ou depois de um dia sentado, marcaria a diferença. Ou nos levantávamos de uma vez ou estaríamos condenados ao rol de consequências. Daí a aparecer toda uma panóplia de gadgets que auxiliam o trabalho de pé, foi um ai. As chamadas secretárias elevatórias parecem ser as mais adequadas à solução deste problema, porque permitem que se alterne entre as duas posições.
Segundo Luís Sardinha, “do ponto de vista energético, estar de pé representa mais 7% do que permanecer sentado, mas o movimento de transição de uma posição para outra acentua a diferença para 33 por cento”.
Em agosto, a dúvida acerca do efeito da atividade física na reversão da mortalidade associada a uma vida maioritariamente sedentária atenuou-se, depois de o epidemiologista sueco Ulf Ekelund ter publicado o seu estudo, baseado num milhão de pessoas, na revista científica The Lancet. “Níveis elevados de atividade física moderada parecem eliminar o aumento do risco de morte associado a grandes períodos na cadeira. No entanto, essa mesma atividade atenua, ainda que não elimine, o aumento de risco associado a longos períodos passados a ver televisão”, lê-se na publicação.
Por cá, também já se estudou que interrupções de dois minutos, a cada vinte minutos de uma vida sedentária, diminuem em 25% o açúcar que se distribui pelas células e, por isso, ajudam a prevenir o aparecimento da diabetes. “Enfatiza-se assim a necessidade de se reorganizar a forma como hoje se trabalha”, realça o investigador da FMH. Passar a estar em pé todo o dia também não contribui para a saúde vascular ou da coluna. Como lembra Luís Teixeira, nessa posição “deixamos de forçar a lombar para forçar mais a cervical”.
É para estimular essa alternância, numa lição para a vida, que está a decorrer um projeto, coordenado por Luís Sardinha, na escola secundária Eça de Queirós, em Lisboa. O estudo envolve duas turmas: uns alunos mantêm o formato standard, os outros utilizam secretárias que lhes permitem mudar de posição, sempre que o professor achar aconselhável brincarem com a gravidade. Apostamos que os resultados não serão apenas ao nível da saúde. E agora levante-se.
Fugir da sentença em seis passos
– Deixe o carro a alguma distância do seu trabalho
– Esqueça o elevador e suba pelas escadas
– Faça 30 minutos de atividade física por dia
– Pelo menos de hora a hora, levante-se por uns momentos e mexa-se
– Em vez de mandar um e-mail a um colega, vá até à secretária dele
– Agarra-se a todos os pretextos para se mexer, desde ir buscar um copo de água a beber um café…