“John John vai conhecer as ondas de North Shore como ninguém até hoje”, antecipava, há uns anos, o já então multicampeão mundial de surf Kelly Slater sobre o haviano que esta terça-feira, em Peniche, conquistou o seu primeiro título no circuito profissional. North Shore é a região do Havai onde se concentra a linha de praia mais famosa entre os surfistas, da qual Pipeline é o expoente máximo. E John John Florence cresceu colado a ela, a um passo da meca do surf. Um passo e não mais: o pátio da sua casa faz fronteira com o areal.
Um dos passatempos preferidos de John John e dos dois irmãos mais novos, Nathan e Ivan, era subir a uma árvore no quintal e observar o mar. Para que pudessem estar mais confortáveis a apreciar a vista, construíram um pequeno palanque entre os ramos.
Nos tempos livres, quando não estavam em contemplação, o mais certo era andarem dentro de água, a brincar com as ondas. A mãe, Alexandra Florence, podia controlá-los a pouca distância, em cima da árvore que também servia de torre de vigia. Mas o normal era estar com eles no mar. Ela é a “culpada” da queda dos filhos para o surf.
“A minha mãe ensinou-me quando eu era muito novo. Ela é muito boa surfista”, salientava, numa entrevista há mais de uma década, o agora campeão mundial.
Natural de New Jersey, Alexandra mudou-se para o Havai movida pela paixão de deslizar sobre as ondas. Aos seis meses, John John sentou-se pela primeira vez na prancha da mãe e aos seis anos já não precisava de ajuda para se equilibrar à tona de água. A O’Neill reparou e começou a patrociná-lo. No ano anterior, Alexandra tinha comprado a primeira prancha de surf ao filho mais velho.
Os outros também já tinham nascido. Pouco depois de ter dado à luz o mais novo, Alexandra separou-se do pai deles e começou a trabalhar à noite. As três crianças passavam grande parte do dia ao cuidado de vizinhos e amigos da comunidade local de surfistas. John John estudava, andava de skate – outra das paixões de mãe – e surfava. Estava marcado desde cedo para ser um grande e foi moldado para isso.
“Toda a minha vida correu nesta direção”, constatou hoje no areal da praia de Supertubos, em Peniche. “Não acredito que sou campeão do mundo. Era o meu objetivo, o meu sonho. Estou tão feliz.”
Desde 2011 no circuito profissional, John John Florence é por muitos considerado o sucessor natural de Kelly Slater, 11 vezes campeão mundial e o melhor surfista da história. Mas as dúvidas sobre a sua capacidade competitiva começavam a pairar. Apesar das manobras espetaculares, a melhor classificação até agora tinha sido um quarto lugar, em 2012. No ano passado, não foi além da 14.ª posição.
Ele sempre preferiu encarar as etapas do circuito mundial mais como uma diversão do que uma luta pela vitória. Esta época, porém, mentalizou-se que ia surfar para ganhar. E, aos 24 anos, tornou-se o quarto havaiano a conquistar o título – o primeiro desde Andy Irons, em 2004.
Por capricho do destino, John John não se encontrava “na sua praia”, dentro de água, quando chegou o momento. Estava a assistir à segunda meia-final do Meo Rip Curl Pro Portugal, depois de já ter garantido o seu lugar na final. Se o seu compatriota Conner Coffin derrotasse o sul-africano Jordy Smith, seria automaticamente campeão. E assim foi. Festejou na areia de Peniche e depois entrou no mar para bater Conner Coffin na final da etapa portuguesa, a penúltima do campeonato.
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A última, a da consagração, vai ser ao pé de casa. Junto da mãe, que já passeou pelo Bairro Alto e foi ver um jogo da seleção portuguesa de futebol (como publicitou na sua conta de Instagram), mas desta vez ficou em casa. E junto de todos os amigos que ajudaram Alexandra a criá-lo e a fazer dele o que ele é hoje: campeão do mundo de surf. Sim, a etapa de Pipeline, em dezembro, será a derradeira prova do campeonato, como manda a tradição.