Na revista desta semana, o tema de capa “O Mercado Negro da Eutanásia”, incluía o testemunho do enfermeiro Francisco, que trabalha numa unidade de cuidados paliativos. Revelámos apenas o primeiro nome porque assim nos foi pedido por este profissional de enfermagem, consciente da sensibilidade do tema, como as recentes polémicas (veja-se o caso da bastonária da Ordem dos Enfermeiros) têm demonstrado.
A experiência deste profissional de saúde levou-o a concluir que, como disse à VISÃO, dez por cento dos doentes pedem Eutanásia. “Quero Morrer! Não quero viver assim!” A interpelação chega com frequência aos ouvidos do enfermeiro Francisco. “Trabalho numa unidade por onde passam cerca de 130 doentes por ano. Destes, uns dez por cento pedem eutanásia. É difícil ouvir, mas não podemos”.
A taxa empírica calculada por este enfermeiro desconta já os que deixam de verbalizar o desejo de morte depois de lhes ser diminuída a dor. Esses “rondam os 40 por cento”.
Francisco admite a dificuldade em gerir a impotência perante tais pedidos, que o levaram a ser favorável à eutanásia. “Temos de mudar de atitude. Estamos tão obcecados em drogar as pessoas que nem lhes damos oportunidade de dizerem o que querem”. E a oportunidade falta também porque a maior parte dos profissionais de saúde “não está bem resolvida em relação à morte”. Muitas vezes, “vêm nos outros a sua própria morte e não estão preparados”.
Estas declarações levaram outros profissionais de saúde a reagir. Um deles foi o enfermeiro Miguel Tavares, que trabalha desde 2002 nos cuidados paliativos do Centro Hospitalar São João. A experiência tem-lhe mostrado uma realidade diferente da encontrada pelo enfermeiro Francisco, tendo “apenas (e estes já me tiraram muitas horas de sono), três casos de doentes que após o início da nossa intervenção mantiveram o desejo reiterado de eutanásia, sendo que é exponencialmente muito mais elevado o número de doentes que agradeceram não se ter cumprido este pedido, por altura da primeira consulta”.
Miguel Tavares explica ainda que não se pode “confundir um pedido de ajuda, um apelo desesperado ao alívio do sofrimento (que não é apenas a dor física), uma ânsia vinda do mais íntimo do ser e que pede apenas que se reconheça a dignidade da pessoa, dessa pessoa única, com um pedido sustentado de eutanásia”.
Do Alentejo, Cristina Galvão, que também ouvimos para o artigo publicado na VISÃO, reitera a vontade de viver dos pacientes que acompanha. “Trabalhamos com doentes e famílias vivos, que vivem a vida, intensamente, até ao fim”. O trabalho dos profissionais é, lembra Cristina Galvão, a trabalhar com paliativos há mais de vinte anos, estar ao lado dos doentes: “Trabalhamos com doentes e famílias vivos, que vivem a Vida, intensamente, até ao fim. Que com o apoio de uma equipa competente e dedicada têm não só a possibilidade de verem os sintomas físicos que os afligem controlados, mas também a oportunidade de verbalizar as suas preocupações e discutir as suas vontades e desejos. Um pedido de morte num doente sem sintomas controlados, em sofrimento intenso, é um grito de alerta para o muito que se pode e deve fazer, haja competência para tal. Não é um grito de morte, é um grito de Vida!”