Sem dúvida que Rui Rio começou por traduzir o que estava em cima da mesa, no debate com o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, esta quarta-feira: “Há um mar que nos separa”. E na verdade, o presidente do PSD acabou por cumprir uma espécie de guião que passou, primeiro, por depreciar o programa eleitoral comunista, colando-o a um passado lá bem atrás, e, depois, associar António Costa à extrema esquerda. Porém, o social-democrata confessou ter inveja não só da “coerência” do PCP, como do principal ausente – Jerónimo de Sousa.
O que talvez o antigo autarca da Invicta – que quando ganhou a Câmara do Porto, há 20 anos, fez um acordo com o PCP – não esperasse é que João Oliveira, nesta estreia como substituto do secretário-geral comunista, não só mostrasse um ataque rápido e sólido, como conseguisse passar a ideia de que entre PS e PSD não há grandes diferenças: “O dr. Rui Rio disse a frase do debate – ‘se eu estivesse no lugar de António Costa tinha também recusado tudo o que PCP pediu’. Se as pessoas estão descontentes com o PS, porque não lhes resolveu os problemas e estavam a achar que iam encontrar no PSD a alternativa, tem aqui a resposta mais clara possível”.
O líder do PSD recusou comprometer-se com respostas a determinadas bandeiras sociais acenadas pelos PCP, como as mexidas nas pensões mais baixas, “a não ser que o crescimento económico permita”. Antes, tal como já tinha feito em debates frente à direita, optou por desmontar o caderno de encargos comunista, mostrando que – mais uma vez – tinha lido as propostas eleitorais do oponente; “Lendo o programa, efetivamente, é a mesma coisa que ir ler o que o PCP defendia em 1974, 1975, em 1976”.
Já João Oliveira, que se mostrou solto como é seu apanágio no Parlamento, aproveitou a onda que Rio agitava sobre o programa eleitoral comunista, para acentuar a perspectiva ideológica que o PCP defende para o País e até deixar claro que a Soeiro Pereira Gomes já não é a mesma de 1976, aquando da criação da Lei Fundamental democrática: “Estamos muito confortáveis com o que a Constituição prevê; que é uma economia mista”.
O líder parlamentar do PCP até ouviu de Rio aquilo pelo qual os comunistas se bateram, sem sucesso, quando o Bloco de Esquerda entrou no hemiciclo e ficou sentado à sua esquerda: “Na Assembleia da República, o PCP senta-se à esquerda do Bloco de Esquerda. Não percebo isso. Deveria sentar-se à sua direita”.
O AUSENTE
Esta era uma prova de fogo para João Oliveira, desde há alguns anos apontado, a par de João Ferreira, como um possível sucessor de Jerónimo de Sousa, de 74 anos. Ou seja, era também vista como ensaio em como se sairia neste tipo de formato. E, apesar do nervoso que disse sentir pela sua estreia em tal função [“Mentia-lhe se dissesse que não”], o comunista tentou logo descartar o peso que estava sobre os seus ombros: “a estenose carotídea [a que o líder do PCP é amanhã submetido] afasta completamente a especulação [da sucessão]”.
“Algo com a qual o João Ferreira também concordará: precisamos é de ser substituídos rapidamente por Jerónimo de Sousa. A questão da sucessão não está colocada e não há razão para sobressaltos”, disse Oliveira que, confrontando sobre se tinha pedido conselhos a Jerónimo, foi fugidio – “Hoje não o incomodei com isso. Mas já falei com ele duas vezes hoje”.
Rio aproveitou a deixa sobre a intervenção cirúrgica de Jerónimo, para sinalizar a “coerência” invejável do PCP, algo que voltaria a repetir mais adiante, mais perto do final do debate: “Temos uma mar de divergências ideológicas bastante grande – ainda agora, para este debate estive a ver o programa do PCP e é um mar de divergências. Mas não confundo divergências ideológicas com uma pessoa [Jerónimo] que tem sido extremamente coerente, com o que não concordo. Tomara eu que no meu partido houvesse gente assim tão coerente”.
PROGRAMAS ELEITORAIS
Rui Rio cavalgou as propostas do PCP, apontando não existir qualquer grau de comparação entre o que os comunistas defendem para o País com as propostas sociais-democratas – sobre as quais quase não falou. Para o líder do PSD, “o PC”, como se referiu várias vezes ao partido do oponente, “defende o orgulhosamente sós”. “Sai da União Europeia, desmantela a NATO; fecha-se. Hoje quem está fechado no mundo é Cuba, a Venezuela, a Coreia do Norte”. João Oliveira lamentou que Rio “como caricaturista não tem um traço muito fino”. “Fez uma caricatura do nosso programa”, sinalizou, apelando ao líder do PSD que se focasse no País – “Não fuja para o estrangeiro”.
O líder do PSD ainda voltaria a acentuar que as propostas do PCP, como a nacionalização da EDP, “levariam o País à ruina”, por tanto “estatizar” a economia. “Há um mar que nos separa”, resumiu, levando Oliveira a defender que “precisamos de pôr o país a produzir, para criar emprego e riqueza”, dando como exemplo o facto de Portugal, no início da pandemia não ter unidades fabris que produzissem ventiladores ou máscaras”.
FIM DA GERIGONÇA
Numa coisa os dois estiveram em acordo – além da disparidade do que defendem: quem causou o fim da solução governativa à esquerda. Ambos apontaram ao PS; mas por premissas bastante distintas. Segundo Rio, os socialistas decidiram “colocar-se” nas mãos do PCP durante vários anos, respondendo à suas exigências, e quando deixou o fazer o País entrou numa crise política. Ora, para João Oliveira, o PS sempre teve intenções, pós-legislativas de 2019, de precipitar-se para uma novas eleições. “Não podemos estar arrependidos de uma coisa que não provocámos”, disse o comunista, realçando que o PSD esteve ao lado da bancada do PS a votar contra propostas do PCP, como a baixa da taxa do IVA sobre a energia.
FRASES DO DEBATE
RUI RIO
“O Governo e o dr. António Costa, quando se meteram com o PCP, sabiam perfeitamente qual é lógica do PCP, que é um partido coerente. Por isso, era expectável que o PCP fosse pedir o que pediu. António Costa meteu-se na mão do PCP? Não pode. O dr. António Costa anda a dizer que a culpa é dos outros. Não; ele é que se entregou”.
“Não desperdiçarei nenhuma oportunidade de melhorar a vida de todos, inclusive dos mais desfavorecidos – ou principalmente os mais desfavorecidos – sempre que a economia permitir”.
JOÃO OLIVEIRA
“Ainda faltam uns minutos, mas o dr. Rui Rio disse a frase do debate: ‘se eu estivesse no lugar de António Costa’ tinha também recusado tudo o que PCP pediu [no Orçamento]’. Se as pessoas estão descontentes com o PS porque não lhes resolveu os problemas, e estavam a achar que iam encontrar no PSD a alternativa tem aqui a resposta mais clara possível”.