Era expectável que o frente a frente entre Livre e PAN, na noite deste domingo, na SIC Notícias, colocasse no prato da balança a “guerra” ambiental travada por cada um dos partidos. Apesar dos pontos em comum, o debate entre Rui Tavares e Inês Sousa Real conseguiu tocar noutros pontos importantes – no mais “político”, o PAN torceu o nariz ao convite de Rui Tavares para integrar uma “eco-geringonça” à esquerda (onde caberiam, ainda PS e PEV) e foi ainda mais longe: não fechou portas à direita. “O nosso compromisso é com as causas”, justificou Inês Sousa Real, questionada sobre a possibilidade de, no pós-Legislativas, se sentar a mesa das negociações com Rui Rio.
Durante o “combate”, travou-se a batalha pelo “partido mais amigo do ambiente”.E o ambiente só “aqueceu” verdadeiramente quando Rui Tavares apontou o dedo ao apoio dado pelo PAN às medicinas alternativas, apostando numa posição pró-ciência. O que “obirgou” Inês Sousa Real a esclarecimentos adicionais: “Não somos negacionistas”, disse.
Sem pontos de rutura visíveis, os partidos voltaram a convergir quanto ao polémico RBI, defendido, nos debates anteriores, por Rui Tavares. O PAN alinha na ideia, mas Inês Sousa Real deixou claro que, neste momento, as prioridades para o País e para as pessoas, segundo o seu partido, passam por “rever os escalões do IRS, descer o IRC e combater a precariedade”.
Acordos à esquerda… ou à direita
Em entrevista à agência Lusa, Rui Tavares tinha lançado o desafio de ser criada, à esquerda, uma “eco-geringonça” – com Livre, PS, PAN e PEV –, deixando de fora Bloco de Esquerda e o PCP. Justificando a escolha, Rui Tavares aproveitou para voltar a acusar estes partidos de “intransigência”. Inês Sousa Real, aparentemente, não ficou impressionada com o convite – e não fechou a porta a entendimentos com o PSD. Para o PAN, só “as causas” importam.
RUI TAVARES
“Se há direita temos uma encruzilhada, porque não se sabemos como se vai governar com uma vitória da direita, é verdade que à esquerda vivemos um dilema: entre vontade governar sozinhos de uns [PS] e a intransigência de outros [BE e PCP] ”.
“Não admito que digam aos meus concidadãos que porque alguns [BE e PCP] não se decidiram ainda se estão mais numa esquerda da intransigência ou da convergência que temos de ser sujeitos a uma chantagem de um voto útil para uma maioria absoluta [do PS]”.
INÊS SOUSA REAL
“O PAN entende que as questões ambientais não podem estar espartilhadas na dicotomia esquerda e direita”.
“O nosso compromisso é com as causas”.
“Ainda não tivemos oportunidade de falar com Rui Rio. Há temas que são uma linha vermelha: que é o disparate de liberalizar a eucaliptização de Portugal (…) o PAN pretende criar um ministério da Economia e das Alterações Climáticas , que seja o clima a ditar o próximo passo das políticas públicas, mas também o ministério do Bem-estar e da Proteção Animal, e quando Rui Rio vem dizer que quer reverter a política que foi retirar os animais e a proteção do ministério da Agricultura passando para o meio ambiente, isso são linhas vermelhas.
“PS e PSD têm votados alinhados um com o outro, e o grande desafio democrático que temos pela frente é romper com este bloco central que sistematicamente se tem forma na Assembleia da República e que, inclusivamente, tem levado a retrocessos legislativos (…) e ao enfraquecimento da nossa democracia”.
Medicina: ciência e alternativas
O tema das medicinas alternativas “aqueceu” o debate, com Rui Tavares a criticar a posição do PAN em relação a estas. “O Livre distingue-se [do PAN] por defender uma medicina baseada na ciência”, disse Tavares. Inês Sousa Real sentiu a “picada” e não gostou: “não somos negacionistas”, afirmou.
RUI TAVARES
“O Livre distingue-se [do PAN] por defender uma medicina baseada na ciência”.
“Não se pode falar em ciência só quando ela é oportuna para o discurso”.
INÊS SOUSA REAL
“Em qualquer profissão há bons e maus profissionais. [As medicinas alternativas] devem ser reguladas”.
“Nas terapias preventivas devem caber as alternativas. Não estamos a falar de sermos negacionistas da ciência”.
Descarbonização “contra” as pessoas?
O termo “negacionismo” serviu como ponto de partida para Inês Sousa Real lançar novo tema para cima da mesa: o impacto ambiental da indústria pecuário. “Há um elefante na sala, ou melhor, um porco”, ironizou Inês Sousa Real – puxando dos galões dos temas que lhe são (mais) caros. Rui Tavares, porém, ripostou. Sacou argumentos da manga, e disparou, em tom acusatório, que a descarbonização tem de ser feita “com as pessoas e não contra as pessoas”.
RUI TAVARES
“Desde a primeira estratégia de descarbonização há um consenso que tem de haver uma mudança na produção e consumo de carne”.
“Temos de fazer isto [descarbonização] com as pessoas e não contra as pessoas”.
INÊS SOUSA REAL
“Os partidos da esquerda têm ignorado o impacto da pecuária nas alterações climáticas”.
“Não podemos combater de forma séria as alterações se não reduzirmos estas emissões e encontrarmos alternativas mais sustentáveis”.
“O PAN nunca disse que temos de fazer contra as pessoas. Temos de promover a mudança com as pessoas”.
RBI: prioridade ou não?
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) colou-se a Rui Tavares como bandeira de campanha. O líder do Livre não deixa cair a ideia e assegura que “um projeto piloto não tem grandes custos”. Inês Sousa Real aprova a ideia, mas relembra que as prioridades, atualmente, serão outras: rever os escalões do IRS, descer o IRC e combater a precariedade.
RUI TAVARES
“[O RBI] é um debate sério que levanta dúvidas”.
“Um projeto piloto de RBI não tem grandes custos. Fica provavelmente ao nível daquilo que um município pode fazer”.
INÊS SOUSA REAL
“O PAN converge nesta proposta de projeto piloto, mas a prestação não teria de ser universal. Não tem critérios do ponto de vista demográfico ou do rendimento de cada pessoa. O RBI pode ser muito relevante para vítimas de violência doméstica, por vezes financeiramente dependentes, ou de pessoas sem abrigo, que têm dificuldade em manter as prestações sociais que recebem”.
“A prioridade, no atual momento, será propor uma nova revisão dos escalões do IRS, descer IRC das empresas para 17% ou combater a precariedade. Só depois virá o momento de testar o RBI”.