Trata-se de uma daquelas tradições a que não há como fugir, dois dias antes das eleições; em que as máquinas dos partidos mostram o que valem e o candidato testa a sua popularidade. Assim é a arruada no Chiado, no último dia de campanha, e António Costa passou-a com distinção esta sexta-feira, ou não estivesse na cidade que liderou durante anos e cuja distrital é liderada pelo seu diretor de campanha, Duarte Cordeiro.
Costa manteve-se os quase 45 minutos de arruada, entre o Café da Brasileira e o final da Rua do Carmo, sempre dentro de uma bolha de segurança, e nas vezes que saiu dela, além de cumprimentar um grupo de funcionárias de uma perfumaria, foi para receber apoio de militantes com muita idade, deveras emocionados, com muitas lágrimas nos olhos e lembranças de tempos em que o resultado de uma disputa entre a esquerda e a direita manteve-se incógnito até à contagem dos votos.
“Tens de vencer isto; tens de vencer isto. A direita é que não”, atirou, lacrimoso, Francisco de Oliveira para Costa. “Sou militante desde 1975, olhe aqui no cartão, olhe. Isto vai ser uma luta do tudo ou nada”, explicou o socialista, à VISÃO, no meio de muitos encontrões e desaparecendo em segundos no meio da turba, que se guiava ao ritmo Šumadija – popularizado por Emir Kusturica – mas com músicas populares, como “Cheira a Lisboa” ou “Lisboa, Menina e Moça”.
Marcelo entre dois amores
Tal banda também tocou “Eu tenho dois amores”; e concidentemente, ou não, foi no preciso momento em que António Costa parou para respirar fundo, a meio do percurso, e admitir que Marcelo Rebelo de Sousa vai ter que decidir no dia 31 de janeiro a quem compete formar governo. Tendo em conta o alegado empate técnico que se espera ou a proximidade entre o PS e PSD, além da pulverização de votos pelos restantes partidos à esquerda e à direita, pode não ser uma tarefa muito simples.
“No domingo à noite saberemos os resultados, e mediante esses resultados, o presidente da República designará a quem cabe a responsabilidade de formação de Governo“, atirou o secretário-geral do PS, que quem vencer tem de saber ler a “vontade dos portugueses” e corresponder a “um diálogo com os portugueses”.
Para quem não entendeu a mensagem, insistiu: “eu saberei interpretar os resultados eleitorais”.
Já depois de realçar o trabalho árduo que Belém pode vir a ter entre mãos, Costa também assumiu que para o partido que sair vencedor destas legislativas antecipadas também não será tarefa fácil: “Seguramente, será um grande desafio para quem ganhar as eleições”.
Recado para a Alemanha e o laranja que se passou para o PS
A arruada só começou cerca de meia hora depois do agendado; ainda assim, o primeiro a chegar ao local foi Amândio Silva – duas bandeiras do PS, uma em cada mão, olhos esbugalhados e emocionado. Pudera: após muitos anos de militância ativa no PSD/Lisboa, desfiliou-se. E decidiu apoiar Costa. “O PSD de Lisboa é do mais gelatinoso que existe, cheio de esquemas, sem cumprir a palavra que dá”, explicou, elencando os nomes de vários dirigentes sociais-democratas da capital que o desapontaram.
Autarca em Santa Clara, Amândio não teve sorte. Costa começou a arruada cinco metros de distância dele, que foi engolido por uma multidão que só parou quando o líder do PS falou aos jornalistas portugueses e quando foi questionado pela ZDF, televisão pública alemã – país onde levou vários meses a constituir-se uma solução governativa, que acabou com o SPD – da família política do PS – aliado aos Verdes e Liberais. Aos jornalistas alemães – alias, havia muita imprensa estrangeira, principalmente espanhola (entre a qual, galega) e francesa – enalteceu a capacidade de resistência da economia portuguesa à pandemia e o atual crescimento do PIB.
Acompanhado de Fernanda Tadeu, a mulher, que se juntou à campanha na primeira quarta-feira de volta ao País e assim se manteve, Costa desceu da Brasileira quase ao Rossio sempre ladeado de figuras do partido, como Edite Estrela – que corre na lista de deputados pelo círculo de Lisboa e é visto como um nome que pode ocupar a futura presidência do Parlamento -, o secretário de Estado da Energia João Galamba ou Carla Tavares, presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa.