João Cotrim de Figueiredo aterrou no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, às 9:30, num autocarro azul cheio de promessas para pôr “Portugal a crescer”. Começou o dia a olhar para os aviões, a ajudar a iniciativa privada – de um senhor que andava há uma hora a tentar vender seis postais artesanais com a figura de Fernando Pessoa, e que só em Cotrim encontrou um cliente – e a distribuir “cheques” de investimento na TAP. Pelo caminho, apanhou um cacilheiro e lamentou-se da falta de concorrência privada no rio Tejo – a sua solução para um transporte sobrelotado e com falhas. Regressou a Lisboa, no autocarro em que o partido anda a percorrer o País, depois de testar o metro da margem sul e de uma reunião no Hospital Garcia de Orta, em Almada, mas, em resposta à VISÃO, ainda deixou um recado sobre a redução do preço dos passes em Lisboa e no Porto, levada a cabo, nesta legislatura: “se pegássemos nesse dinheiro e aplicássemos de outra forma, não teríamos conseguido uma medida mais justa?”.
Do teste aos transportes públicos, Cotrim de Figueiredo concluiu o que já o ouvimos dizer relativamente a muitas outras áreas: que a concorrência privada é fundamental, pois aumenta a qualidade da prestação do serviço e isto, ressalva, “não é uma opção ideológica, é a prática”. Se a TAP é para privatizar o quanto antes, a travessia do Tejo por via fluvial também deve ter empresas privadas a operar, sugere a Iniciativa Liberal (IL), que já não tem tantas certezas quanto à mais destacada política de mobilidade promovida por este Governo: a criação do passe único social, que permite, com 40 euros mensais, a deslocação entre todos os concelhos da Área Metropolitana de Lisboa e do Porto. Mas, ao deputado único, soa a “demagogia”.
1.ª paragem: TAP, o voo que não chegou a descolar, e o tiro a Costa, com Pedro Nuno Santos na mira
Não é segredo nenhum o que os liberais pensam sobre a nacionalização da TAP: não perdoam e não esquecem. Esta manhã, Cotrim de Figueiredo e a sua comitiva, com cerca de uma dúzia de pessoas, quis torná-lo concreto, à entrada do Aeroporto de Lisboa, onde distribuíram os “cheques” de uma família portuguesa com três pessoas à ordem da companhia aérea portuguesa, no valor de mil e duzentos euros.

“Nem mais um euro”, voltou a pedir o líder da Iniciativa Liberal, que defende a privatização da TAP “de imediato, obviamente de uma forma responsável, que não ponha em causa o dinheiro dos contribuintes”. Em paralelo, Cotrim de Figueiredo apelou ao Parlamento para escortinar todos os cêntimos que fossem parar à conta da companhia aérea e pediu uma auditoria ao Tribunal de Contas, que envolvesse todo o processo de nacionalização, desde abril de 2020.
Aos jornalistas, o liberal considerou “absolutamente inaceitável que a TAP receba este montante de apoios”, “desproporcionado em relação a todas as outras empresas que precisaram de apoio durante a pandemia”; negando que haja algum argumento que o pudesse fazer repensar esta promessa. Se a companhia é um dos principais exportadores portugueses, também “é dos maiores importadores”; o contributo da TAP “é hoje de apenas 0,5% do PIB” e, “em 75 anos, só deu resultados positivos em dois”, justificou.
Quanto à bandeira da coesão territorial, esta não deveria ser erguida, segundo Cotrim, tendo em conta a presença insignificante da companhia área quer no Porto, quer em Faro. E o deputado único do partido não poderia ter pedido melhor legenda, à medida que Floduardo Almeida, 32 anos, se tentava aproximar para cumprimentar o líder e lhe contar a sua história. Acabado de chegar de Budapeste, a capital da Hungria, Floduardo e a namorada, Helena, tinham como destino final o Porto, mas como a companhia aérea portuguesa lhes pediu 80 euros para fazerem a viagem Lisboa-Porto, encontravam-se, agora, a sair do aeroporto, em direção à estação de comboios do Oriente. “Raramente utilizo a TAP” – explicou o designer gráfico ao deputado liberal – “já vivi em seis países, emigrei porque aqui não tenho perspetivas nenhumas salariais e de condições de trabalho e, quando ando de um país para o outro, uso a Easyjet, a Ryanair, que são muito mais baratas”.

“A aviação comercial é um negócio altamente arriscado. Não é um negócio para o Estado estar”, lamentava-se, ainda há instantes Cotrim de Figueiredo, que, questionado sobre a hipótese de não haver um comprador interessado na companhia, encolheu os ombros: nesse caso, acontece “o mesmo que em outras empresas que precisam de ser reestruturadas e não têm um investidor externo e entra em processo de insolvência”. A situação dos trabalhadores não lhe é indiferente, garante, mas, acima disso, está a sustentabilidade das finanças portuguesas no futuro; e a companhia, vaticina, irá precisar de mais do que os 3,2 milhões de euros já injetados.
Foi ainda tema de conversa a acusação de afirmações falsas que o antigo acionista da TAP, David Neeleman, dirigiu a António Costa. Mas Cotrim preferiu dizer que o primeiro-ministro deveria era “fazer um pedido de desculpas aos portugueses, porque tem usado e abusado das incorreções e mentiras, nesta campanha”. E mesmo que António Costa possa ter os dias contados, se perder as eleições no dia 30, uma vez que já ameaçou demitir-se de secretário-geral do PS, o putativo candidato à sucessão, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, não recolhe menos antipatia do líder da IL. “Tenho sempre dúvidas entre aquilo que Pedro Nuno Santos mostra ser e aquilo que realmente é. É evidente que tem muita facilidade em fazer pontes com a esquerda e a extrema-esquerda parlamentar. E, a julgar pela influência que esses dois partidos tiveram nos últimos seis anos, é um risco para Portugal e para a perpetuação destas políticas de estagnação”, alertou Cotrim de Figueiredo.
2.ª paragem: Do barco, Cotrim quer ver mais concorrência na paisagem
Num cacilheiro, dez minutos separam o Cais do Sodré de Cacilhas e as 15:00 são horas de pouca afluência, mesmo assim, o deputado queria mais embarcações na paisagem, a pensar nas horas de ponta, que vê nas imagens dos telejornais. “As pessoas queixam-se do serviço que têm aqui da Transtejo Soflusa e isso poderia perfeitamente ser evitado se a travessia do Tejo fosse aberta à concorrência”, defendeu.
“Táxis fluviais”: esta é a solução apresentada pela Iniciativa Liberal, que, questionada sobre se estes não seriam um contrassenso para o ambiente, Cotrim de Figueiredo apressa-se a dizer que “não”, porque “as viagens seriam proporcionais ao número de pessoas que utilizariam este transporte”, tirando mais carros da cidade. “Mais escolha é sempre melhor qualidade de serviço”, remata, lado a lado com a cabeça de lista do partido por Setúbal, Joana Cordeiro, e pelo número dois, Miguel Noronha, que se juntaram ao líder, já na margem sul.
3.º paragem: no autocarro da coesão territorial não se entra com um passe discriminatório
Da estação fluvial, para o metro e deste, a pé, até ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, a caravana na IL teve um dia preenchido, que os dirigentes não puderam terminar assim que chegaram ao autocarro do partido. Todo decorado com pormenores azuis, apetrechado até com máquina de café, e uma cortina que divide, ao meio, o espaço, a máquina partidária reuniu-se na parte de trás para finalizar os pormenores para o dia seguinte, que começará com um debate, nas rádios, entre todos os partidos na Assembleia da República. Mas antes, ainda houve tempo para falar sobre a medida governamental mais promovida na área da mobilidade: o passe social.
Em resposta à VISÃO, Cotrim de Figueiredo associou esta medida a uma “lógica de facilitismo” e “não de justiça social”. O deputado criticou a ausência do princípio da coesão territorial aplicado ao passe social, uma vez que este “é pago por todo o país para beneficiar só Lisboa e o Porto”, quando “há outros que nem transportes públicos têm”. Isto e “as vantagens ambientais nunca foram quantificadas”. Faz parte de “um conjunto de medidas que têm muita demagogia” e foi “vendida como se fosse um favor que o Estado faz às pessoas”.