Os próximos tempos nas escolas portuguesas não se avizinham de paz; quem o assegura é o secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, quando se avizinha a greve geral no setor, já no dia 8 de fevereiro, e uma manifestação na capital, três dias depois. No Irrevogável, o podcast de entrevistas da VISÃO, o dirigente daquela que é uma das maiores estruturas sindicais apontou baterias à decisão do Governo de avançar com serviços mínimos, entretanto validado pelo Tribunal Arbitral e para entrar em vigor nesta quarta-feira, dia 1 de fevereiro, por não dar um sinal de que o Governo quer chegar a acordo com os professores.
Para Dias da Silva, a insatisfação da classe docente irá aumentar com este gesto, após não terem visto satisfeitas até agora as suas exigências. Daí que considere importante a “magistratura de influência” de Marcelo, que “também é professor”, junto do Governo.
“Os serviços mínimos nas escolas representar limite limitação do exercício do direito à greve e aumentam insatisfação dos professores”, disse João Dias da Silva, no Irrevogável, onde denunciou que “tem vindo a crescer a utilização da figura dos serviços mínimos, que em muitos casos são comparados a serviços máximos, já que todo o serviço acaba por ser garantido, embora por um número mais reduzido de trabalhadores”. “A insatisfação dos professores fica aumentada com este limite do exercício da greve”, condenou.
De acordo com o Tribunal Arbitral, os serviços mínimos vão ser decididos pelos diretores escolares, que irão ter de adaptar as necessidades às paralizações agendas. Se tal não resultar, o Governo não afasta a possibilidade de requisição civil. Ora, o líder da FNE garante que a Tutela optou por endurecer a posição, ao invés de ir ao encontro dos pedidos dos professores: “Aquilo que o ministério fez foi ignorar um conjunto significativo de matérias para a valorização da carreira docente – nas reuniões de negociação que decorreram até agora, o ministério nunca mostrou disponibilidade para tratar dessas questões que são relevantes”.
“A matéria dos concursos de colocação é uma exigência dos professores, e para isso o Governo apresentou uma proposta, mas em relação às outras matérias o Ministério da Educação tem se mostrado incapaz; provavelmente, por falta de capacidade que seja dada pelo Ministério das Finanças ou pelo próprio primeiro-ministro, para que se possa abalançar noutras respostas que tem impacto financeiro”, apontou. Ou seja, admitiu que Fernando Medina pode estar a limitar as propostas do colega de Executivo, João Costa, ministro da Educação. “Se [nas propostas] para o recrutamento e seleção de professores o ministério mostra-se no seu campo de ação, sem ter um impacto financeiro à exceção da vinculação, no resto das matérias o ministério das Finanças não dá condições financeiras e o Ministério da Educação não traz essas matérias para cima da mesa”.
“Acreditamos que para estar em agenda [respostas aos sindicatos] o Ministério das Finanças e o primeiro-ministro deveriam ter dado sinal que é preciso de valorizar os professores. Houve um discurso que se ouviu, principalmente durante a pandemia, mas não bastam palavras bonitas. Com esse discurso, houve algum impacto na valorização da carreira? Algum reconhecimento que levasse à recuperação do tempo congelado de carreira? Nunca existiu. E o que desgosta os professores é essa falta efetiva de valorização. A valorização não são só palavras”.
A “influência” do professor Marcelo
Após Marcelo ter pedido que ambas as partes se sentasse à mesa, de modo a chegar a um acordo e a evitar que os protestos e paralizações provocassem enorme impacto no segundo ano letivo, Dias da Silva veio agora defender que “o presidente da República deve ser capaz de exercer a magistratura de influência junto do Governo, para estas matérias essenciais de valorização da carreira”, porque “ele é professor, tem se manifestado sempre como professor e ele conhece as dificuldades dos professores”. “E percebe que temos reivindicações que são justas e legítimas – e o futuro da Educação depende da resposta que fora dada agora aos problemas”.
Ainda assim, o Chefe de Estado também não deixou de admitir que a reposição dos anos de carreira congelada, que em 2019 o PS recusou devolver na totalidade, pode não ser exequível financeiramente. Porém, a FNE argumenta que a acontecer tal devolução esta não aconteceria, por proposta dos sindicatos, de forma imediata: “Somos capazes de concordar com a mensagem do presidente da República sobre a reposição hoje do tempo integral de carreira, tendo em conta que, perante todo o contexto, o Governo não decida amanhã que vamos recuperar a totalidade do tempo de serviço e fazer a sua repercussão na colocação de todos os professores no ponto de carreira. Mas é algo que pode estar operacionalizado até ao final da legislatura”.
“Colocar as pessoas na carreira em que deveriam estar pode ser feita faseadamente: num ano, uma quantidade de tempo; noutro ano, outra quantidade de tempo, e no ano seguinte, mais uma quantidade de tempo. Foi sempre esta a nossa solução. Sabemos que o impacto é extremamente duro, então vamos fasear o seu impacto, de modo a ter cabimentação orçamental. O presidente da República diz: é difícil neste momento. Mas isso é só se for tudo de uma só vez”, esclareceu.
João Dias da Silva também lamentou a intenção do Governo em colocar nos Conselhos Locais de Diretores “a distribuição de professores por uma determinada área geográfica”: “Uma simples aplicação informática é capaz de pôr, lado a lado, aquilo que são as preferências dos professores e o que são as necessidades das escolas. Porque vamos colocar os diretores a fazer um trabalho burocrático que pode ser feito por uma aplicação e propiciar o aparecimento de amiguismos? Não estaremos a respeitar a graduação natural das pessoas mas a criar uma seleção das pessoas em função de preferências pessoais. O sistema de colocação de professores deve ser claro, deve ser transparente, para que mereça a confiança das pessoas, para que seja justo”.
Risco de “aproveitamento” de sindicalismo
Numa altura em que novas formas de protesto têm agitado o setor, principalmente pelas mãos do STOP, um sindicato criado em dezembro de 2017 que tem usado as redes sociais para mobilizar os professores, João Dias da Silva reconheceu que as estruturas sindicais mais antigas têm feito feito por se adaptar aos tempos atuais.
“Os sindicatos que se formaram há mais de 40 anos não tinham as ferramentas que são agora usadas. Mas todos estamos perante esse desafio, de trabalharmos com essas ferramentas, como o Facebook ou o Instagram, na defesa dos trabalhadores. Há 20 anos, nenhuma das nossas organizações tinha um site, não usávamos o Facebook ou o Instagram. Mas temos de sublinhar que as organizações sindicais, além daquilo que é o trabalho reivindicativo, tem acima de tudo um trabalho de proximidade com os trabalhadores”, disse, alertando para os riscos de aproveitamento da luta docente.
“As redes sociais se por um lado facilitam, também representam riscos e dificuldades na utilização aberta desse universo. E até perceber como é pode ser condicionado por estranhos, por outros com interesses. Seríamos ingénuos se não estivéssemos atentos a que pudesse acontecer. Gostamos pouco de ir atrás dos prejuízos. Preferimos trabalhar antevendo problemas e dificuldades; prevendo que alguns possam querer aproveitar-se desta insatisfação e mal estar com outros objetivos que porão em causa a democracia, a liberdade e a verdade”, concluiu.
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