O ex-ministro da Solidariedade de António Guterres, que foi diretor de campanha de Ana Gomes na corrida a Belém, atribuiu responsabilidades ao PS por neste momento o Governo depender do PCP, e em parte do PAN, para conseguir completar a legislatura e fazer passar os orçamentos do Estado. Para Paulo Pedroso, “o PS matou no inicio da legislatura” a gerigonça e retirou a centralidade ao Parlamento, optando por apostar num diálogo São Bento – Belém.
“No anterior mandato, o Parlamento teve uma posição central. Isso foi bom ou foi mal? Foi muito bom. A gerigonça mudou o eixo Governo – Presidente para o Governo – Parlamento. Foi isso, que mal, o PS matou no início desta legislatura“, apontou Pedroso, esta quarta-feira no Irrevogável, o programa de entrevista da VISÃO.
Segundo o antigo socialista, que se desfiliou já há quase ano e meio do PS, “nesta segunda legislatura, o Parlamento é muito menos central”. E, por isso, “esta legislatura tem sido muito menos produtiva”. “Esta ‘gerigonça dois’ é essencialmente um pacto orçamental, não corresponde a uma visão partilhada à esquerda para o país. E o pais vai ressentir-se disso. Isso depende do PCP e PAN. [Para] este Governo chegar ao fim da legislatura, está nas mãos do PCP”, concluiu, na manhã desta quarta-feira, onde deixou críticas à atuação do Governo no combate à Covid-19.
“Há coisas que não foram feitas” apesar dos avisos. Computadores são miragem
Segundo Pedroso, o combate à pandemia “é um processo extremamente difícil em que o Governo tem mostrado falhas”.
“É muito fácil criticar as coisas depois de elas terem acontecido. É muito mais difícil antecipar. Mas há uma coisa que me continua a intrigar: o New York Times publicou a 8 de maio de 2020 um estudo de duas equipas medicas, que previa a evolução da pandemia – tinha três cenários e em que uma segunda vaga seria muito mais forte que a primeira”, refere. Por isso, assinalou, “quando me dizem que esse cenário não se colocou em Portugal eu não consigo perceber”.
“Havia dados que levavam todos a pensar que, não sabíamos quando, mas sabíamos que havia possibilidades de a segunda vaga ser tão ou mais intensa que a primeira. E há coisas que não foram feitas. E é difícil perceber porque é que não foram feitas“, disse.
Pedroso vai mais longe: “Porque é que os computadores não chegaram às escolas a tempo? Não há nenhuma razão, a não ser alguém ter acreditado que não viesse a ser preciso fechar as escolas”. “Não percebo que a medida tenha sido anunciada na primeira leva e o tempo passou-se sem que isso acontecesse”, frisou.
Por isso, aponto que “o conjunto de sinais que deram [as autoridades] à população em novembro e dezembro eram de desvalorização do risco de uma segunda vaga”. Até um cidadão sem acesso a nenhuma informação privilegiada ou leitor de jornais sabia que o cenário em cima da mesa seria com essa gravidade”, criticou.
Deixar Ventura a falar sozinho
Apesar de ter sido atacado por André Ventura, durante a campanha eleitoral para Belem, Pedroso desvalorizou o caso: “Não houve surpresa em relação a um candidato do ódio, que procura semear divisões artificiais na sociedade, tentar usar uma difamação política”.
“Ele fica a falar sozinho. Aceitar comentar comentários assumidamente manipuladores e que embarcam em difamações é prejudicar a democracia”, disse, admitindo que, mesmo que “uma difamação nunca esteja digerida e quando é repetida está sempre em carne viva”, opta pelo “silencio”. Mas avisou: “Quem pensa que me condiciona pela repetição da difamação, está muito enganado”.
As palavras de Ventura surgiram já a meio de uma campanha das presidenciais em que, diz Pedroso, “o PS lavou as mãos” do que aconteceu nos resultados e que podem vir a dar uma dor de cabeça ao Governo socialista.
“Temos Marcelo Rebelo de Sousa com uma enorme vontade em ser consensual e ser hegemónico em todo o espaço político. Um PS que entendeu de modo passivo conviver com essa ambição. Mas com isso dois problemas surgiram: de um lado, a diluição de fronteiras entre uma visão conservadora e uma visão progressista da sociedade. Essa diluição, de algum modo, é protagonizada pelo comportamento de Marcelo e foi visível na sua intenção em falar o menos possível de presidenciais e questões politicas. E, depois, tivemos a direita moderada órfã de representação. E essa direita acabou por juntar-se, espero que circunstancialmente, a um partido que é de extrema direita [Chega]”.
“O PS lavou as mãos das presidenciais, como se não fossem importantes para o sistema democrático. Abandonando aí a posição de um partido que coescreveu a Constituição”, disse.
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