Miguel Cardoso passou a última madrugada numa esquadra de Bruxelas a apresentar queixa contra o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, e uma comitiva de “cerca de duas dezenas de pessoas” do partido de André Ventura, que seguiam no mesmo voo que o levou até à capital belga. O ativista que trabalha para a organização antirracista sedeada no Reino Unido, Black Europeans, decidiu fazer queixa depois de passar as últimas horas após a viagem a receber mensagens de ódio e ameaças. “Quando chegares a Lisboa vais ver. Levas um tiro nos joelhos”, foi uma delas.
“Nunca, nem nos meus piores pesadelos imaginei que ia ter uma comitiva do Chega atrás de mim no avião e a comportar-se daquela maneira. Até miúdos da quarta classe se portam melhor”, conta à VISÃO, explicando que embarcou a convite da representação portuguesa do Parlamento Europeu, com a ativista da rede Afrolink Paula Cardoso, ao seu lado, a caminho do que pensava que seriam dias calmos de trabalho em Bruxelas.
“Grunhidos”, “preto, macaco”
Pouco depois de Miguel Cardoso e Paula Cardoso se sentarem, terão começado as provocações. Segundo o relato de Miguel, a comitiva do Chega “ia fazendo grunhidos” e lançando expressões como “preto, macaco”, mas “sempre como se estivessem a falar entre eles, a ver vídeos”. Durante duas horas e meia de voo, houve “expressões racistas e misóginas”, mas sempre que a tripulação não estava por perto. “Eles tinham o cuidado de ser discretos”.
Apesar dessa discrição, o clima foi sempre tenso. “Tive uma rapariga do Chega, com os joelhos encostados no meu banco durante todo o voo”, garante Miguel Cardoso.
Quando o avião parou e os passageiros se levantaram para sair, Paula Cardoso lançou um “25 de Abril sempre, racismo nunca mais” e pôs a tocar o Grândola no telefone. Foi o suficiente para as coisas se descontrolarem.
O vídeo que o Chega tornou viral
“Estes idiotas são mesmo otários, mas a mama vai acabar”, terá dito um dos elementos da comitiva do Chega. Miguel Cardoso interveio, para defender Paula Cardoso e questionar o comportamento do grupo. Terá sido nesse momento que Pedro Pinto se envolveu numa altercação direta com Miguel Cardoso, de dedo em riste e, segundo o ativista, sem hesitar em escalar o tom. “Vai para o caralho. Queres ir lá para fora?”, terá dito.
“Foram sete ou oito minutos disso até chegar ao momento do vídeo em que eu respondo”, assevera Miguel Cardoso, referindo-se a um vídeo que o Chega fez circular pelas redes sociais no qual o ativista se insurge contra Pedro Pinto. “Toda a comitiva começou a tentar intimidar-me como um gangue. Só depois de mais de sete ou oito minutos é que eu respondi. Eu não gosto de escândalos, mas já estava num estado de desespero”, confessa Miguel Cardoso.
A forma como o vídeo circulou pode ajudar a explicar a quantidade de mensagens de ódio e ameaças que Miguel Cardoso recebeu nas últimas horas e que o fizeram ir até à polícia em Bruxelas.
“Não tinha intenção de apresentar queixa”, afirma, explicando que quando estava a sair do avião foi abordado por polícias que tinham sido chamados entretanto pelo comandante do avião e que se limitaram a ficar com a sua identificação, a de Paula Cardoso e de mais três testemunhas suas que assistiram a tudo.
Miguel Cardoso associa as provocações de que diz ter sido alvo à queixa que apresentou contra André Ventura há três meses, quando o líder do Chega o acusou na rede social X de usar o dinheiro dos contribuintes portugueses para financiar um evento antirracista. “Era mentira. Foi tudo pago pela minha organização”.
A VISÃO contactou Pedro Pinto, mas até ao momento não obteve resposta.