A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas teve esta sexta-feira a sua última audição antes das férias parlamentares. Nesta reta final, os deputados ouviram dois elementos da Casa Civil de Belém e o ex-chefe de gabinete de António Costa, e ainda houve uma revelação inesperada. Mas há ainda muitas respostas por dar.
O “desconforto” de Belém em relação a Nuno Rebelo de Sousa
Uma das revelações desta semana de audições foi o “desconforto” que existia em Belém face aos pedidos que vinham do filho do Presidente da República.
Esse “desconforto” foi assumido de forma clara pelo Chefe da Casa Civil, Fernando Frutuoso de Melo, que revelou que o pedido de uma “ajuda maior” no caso das gémeas que sofriam de uma doença rara não foi o primeiro que Nuno Rebelo de Sousa fez à Presidência.
“Não, não foi a primeira vez que aconteceu. De todas as vezes que aparece qualquer coisa que venha daí necessariamente a primeira coisa que me vem à memória é: a orientação é que “Filho de Presidente não é Presidente”, afirmou Furtuoso de Melo, assegurando que tinha orientações de Marcelo Rebelo de Sousa para não favorecer o seu filho.
Evitando assumir que o pedido do filho de Marcelo constituía uma tentativa de “cunha”, Frutuoso de Melo acabou por dizer que Nuno “não teve o que queria” quando fez o pedido à Presidência.
“Não terá tido o que queria. Quando Nuno Rebelo de Sousa pergunta, dirigindo um ‘mail’ a Maria João Ruela [assessora Assuntos Sociais e Comunidades Portuguesas], não havia nada que se pudesse fazer para acelerar o processo”, afirmou Frutuoso de Melo.
Apesar disso, Nuno Rebelo de Sousa pediu pelo menos por três vezes para ser recebido juntamente com comitivas de empresários brasileiros, na qualidade de presidente da Câmara Luso-Brasileira de Comércio, que se encontravam em Lisboa para a Web Summit. Esses pedidos tiveram resposta positiva. “É normal o Presidente da República receber grupos importantes de empresários que vêm a Portugal”, justificou o Chefe da Casa Civil.
Também a assessora para os Assuntos Sociais de Belém que tratou de obter informações sobre como as gémeas poderiam aceder no SNS a um dos tratamentos mais caros do mundo, Maria João Ruela, confessou perante a CPI ter visto num dos mails de insistência sobre o caso “uma queixa” de Nuno Rebelo de Sousa ao seu chefe, Fernando Frutuoso de Melo.
“Lamentou-se ao meu chefe da minha percecionada inação”, declarou Maria João Ruela, logo na sua intervenção inicial, explicando mais à frente que Nuno Rebelo de Sousa não ficou contente com as suas diligências (ou a falta delas). “Estava-se a queixar por eu não ter feito nada”, disse. Ruela declarou mesmo que hoje entende esse lamento do filho do Presidente como “uma medalha” que revela que não participou em qualquer tipo de favorecimento.
E revelação inesperada, que pode ser essencial
António Rodrigues, deputado do PSD, entregou à CPI documentação que na prática tornou desnecessária a queixa-crime por desobediência qualificada contra Daniela Martins, que os deputados chegaram a pôr em cima da mesa como hipótese, por a mãe das gémeas se recusar a entregar a documentação relacionada com o seguro de saúde que cobria as filhas.
A informação é importante porque a seguradora tinha sido condenada no Brasil a pagar os muito dispendiosos tratamentos a que as meninas teriam direito nesse país. Com os dados conseguidos por António Rodrigues fica comprovado que as crianças eram seguradas pela AMIL, uma seguradora detida pelo mesmo grupo económico que à data era dono do Hospital dos Lusíadas, em Lisboa, onde as gémeas chegaram a ter marcada uma consulta com a Dra. Teresa Moreno, a mesma que as seguiu em Santa Maria, e que viria a ser desmarcada sem que se perceba bem como nem por quem.
Apesar de António Rodrigues ter conseguido toda a informação, que no Brasil não está coberta por qualquer tipo de segredo, a CPI vai ainda assim insistir com a mãe das gémeas, com o tribunal que tratou o caso no Brasil e com a seguradora para perceber se há mais dados além dos que o coordenador do PSD nesta comissão conseguiu reunir.
Os procedimentos “normais”
A última audição antes das férias, ao chefe de gabinete do então primeiro-ministro António Costa, serviu essencialmente para Francisco André explicar que todas as comunicações que chegavam a São Bento, depois de analisadas, eram remetidas para o gabinete do ministério competente para lhes dar resposta.
“Todas as comunicações recebidas, fossem da Casa Civil do PR, fossem dos cidadãos, eram por maioria de razão reencaminhadas para os ministérios setoriais, em função da competência na matéria”, declarou.
Francisco André revelou, aliás, que o pedido de Belém sobre o caso das gémeas chegou no mesmo ofício que seis outros casos e que o mail acabou por ser reencaminhado não por si mas pela assessora que normalmente o substituía quando estava fora, Patrícia Melo e Castro.
“Este processo seguiu os trâmites absolutamente normais”, afirmou, assegurando que não nenhum contacto, conversa ou seguimento especial sobre este pedido. De resto, tal como Fernando Frutuoso de Melo tinha revelado, mail seguiu para São Bento depois de o chefe da Casa Civil ter apagado o nome de Nuno Rebelo de Sousa, que entendeu poder ser lido como um fator de pressão para um favorecimento.
Durante todo o tempo em que foi ouvido, as perguntas e as respostas não passaram muito destas duas informações. A ponto de António Rodrigues, do PSD, e Joana Mortágua, do BE, terem questionado a utilidade da inquirição, que Rodrigues considerou “inútil”. Observações que fizeram a deputada da IL, Joana Cordeiro, recordar que Francisco André estava a ser ouvido na sequência de requerimentos do PSD, do Chega e da IL que “foram aprovados por unanimidade”.
Nas duas audições anteriores, Fernando Frutuoso de Melo e Maria João Ruela também se esforçaram para notar que este pedido foi tratado como qualquer outro. Uma tese que o deputado do Chega, André Ventura, tentou desmontar usando os dados que o próprio Frutuoso de Melo levou para a CPI, segundo os quais há uma média de 80 pedidos deste tipo a entrar em Belém todos os dias.
“Não faziam mais nada”, atirou Ventura, questionando como seria possível ter o mesmo grau de diligência (que incluiu vários mails e pelo menos um telefonema para um hospital) se todos os 190 mil pedidos que chegaram desde que Marcelo entrou em Belém tivessem o mesmo tratamento.
As grandes incógnitas
A audição de Nuno Rebelo de Sousa, que se manteve em silêncio mesmo quando foi insistentemente questionado sobre se recebeu algum tipo de contrapartida pela sua intervenção no caso, e o endereço de e-mail da sua companheira, Juliana Drummond, que está em conhecimento em todas as comunicações e tem uma referência a “seguros” podem ser o centro da investigação da CPI.
António Rodrigues, do PSD, apresentou um requerimento para ouvir Juliana Drummond, que não é arguida e não pode invocar o direito ao silêncio para não se incriminar. O requerimento foi aprovado por unanimidade (como a maioria dos requerimentos para audições nesta CPI) e há grande expectativa para perceber que papel terá tido Juliana, que a mãe das gémeas se gabava de conhecer e de ter sido central para o “pistolão” (a “cunha”).
A CPI também está na expectativa de receber o parecer que o Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, pediu ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para saber se uma CPI pode aceder a mensagens trocadas por sms e redes sociais consideradas privadas, especialmente se estiver em causa, como está, o Presidente da República.
Esse tem sido um tema sensível que tem dividido os deputados nesta CPI e causado desconforto, com alguns partidos (como o PS e o CDS) a admitirem que pode fazer sentido alterar o regime das comissões parlamentares de inquérito para balizar e clarificar os seus poderes. Algo que só poderá acontecer quando não estiver a decorrer nenhuma comissão deste tipo, sendo que em setembro arranca a CPI à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que deverá durar seis meses.
Também há grande suspense sobre o que fará o Presidente perante o pedido da CPI para o ouvir. “Para a semana direi qual é a minha posição sobre isso”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas na segunda-feira.
O que se segue depois das férias
Os grupos parlamentares têm até 6 de setembro para enviarem até dez perguntas a António Costa, a que o ex-primeiro-ministro responderá por escrito, num prazo de dias a contar do seu envio.
Também em Setembro vão ser ouvidos nesta CPI Marta Temido, a então ministra da Saúde, e o ex-cônsul de Portugal em São Paulo Paulo Jorge Nascimento.
Rui Paulo Sousa, presidente da CPI, avançou aos jornalistas que a intenção da comissão é agendar duas ou três audições por semana a partir de setembro.