O dia 3 de maio de 2017 marca o arranque das escutas telefónicas na Operação Tutti-Frutti que encaminharam a Polícia Judiciária para uma teia de relações, contactos e trocas de favores no interior do PSD e também na Câmara de Lisboa. O primeiro alvo das interceções foi Sérgio Azevedo, antigo deputado do PSD, cuja intensa atividade política o colocou no centro de uma investigação que recolheu suspeitas de crimes e até estados de alma.
Em setembro daquele ano, com a campanha eleitoral autárquica a decorrer, o antigo deputado social democrata com uma forte influência nas estruturas do partido em Lisboa, procurava controlar o “seu” candidato à autarquia de Loures: André Ventura. Porém, a tarefa não estava a ser fácil, já que Ventura disparava em várias direcções, com a etnia cigana à cabeça.
Numa conversa intercetada entre Sérgio Azevedo e o então jornalista Sebastião Bugalho, o primeiro referiu por várias vezes ter criado um “Frankenstein” em Loures, numa alusão ao facto de ter sido um dos grandes apoiantes no interior do partido à candidatura de André Ventura. Isto depois de ambos os intervenientes terem comentado uma sondagem, a qual referia que 70% da população nacional concordava com as posições de Ventura sobre a etnia cigana.
Três dias mais tarde, nova preocupação: num comunicado, André Ventura afirmava que Loures iria deixar de ser “a prostituta barata de Lisboa”, acrescentando que era sua intenção aumentar o território do concelho, com a inclusão da zona do Parque das Nações. O então candidato prometia que se o presidente da Câmara de Lisboa – fosse ele quem fosse – se recusasse a “negociar” a matéria, então seria declarado “persona non grata em Loures”.
À conversa com Ivone Gonçalves, adjunta na autarquia de Loures e candidata a vereadora pelo PSD, Sérgio Azevedo mencionou mesmo que o comunicado do cabeça de lista criou “pânico”, dizendo à sua interlocutora para se impor na campanha de forma a travar o ímpeto de Ventura. Ao mesmo tempo, Azevedo garantiu ter já repreendido Ventura.
As diligências de Sérgio Azevedo para controlar o candidato à autarquia passaram ainda por Ricardo Andrade, então presidente do PSD/Loures, a quem o antigo deputado pediu a imposição de regras para a difusão de comunicados.
Se dúvidas houvesse quanto à criação do candidato, elas ficaram dissipadas numa conversa telefónica entre Sérgio Azevedo e Ivone Gonçalves, a 15 de setembro de 2017, na qual o dirigente assume ter partido dele a ideia da candidatura e que se Ventura ganhasse a autarquia de Loures, podia vencer eleições em qualquer uma do País.
Nos últimos dias, a CNN/Portugal tem revelado vários detalhes desta investigação do Ministério Público (MP), aberta em 2016, mas até hoje sem qualquer acusação. Aliás, numa curta declaração à VISÃO, Sérgio Azevedo garantiu: “Nunca fui ouvido”. De acordo com o MP, o antigo deputado “o chefe” de um esquema com o objetivo de “dominação das estruturas autárquicas (…) que permitem aos suspeitos obter vantagens patrimoniais (e não patrimoniais) à custa do erário público”. Além da câmara de Lisboa, há suspeitas de tentativas de influência em mais 16 municípios, mais 12 juntas de freguesia (quase todas da capital) e três assembleias municipais.
Já em novembro do ano passado, a VISÃO tinha revelado que a câmara de Lisboa concentrava um elevado número de investigações à sua volta. Além do Tutti-Frutti – do qual foi extraída uma certidão por suspeitas de falsificação de presenças na Assembleia da República mas, entretanto, arquivada -, há outras casos em aberto, como o Plano de Pormenor de Entrecampos, a Torre Picoas, o Miradouro de São Pedro de Alcântara, as obras de ampliação do Hospital da Luz, entre outros.
Nos últimos anos, a Polícia Judiciária foi afastada das investigações, encontrando-se só uma inspetora a ouvir testemunhas e a analisar emails apreendidos. Acossado pela constituição de assistentes no processo, entre os quais jornalistas, o Ministério Público avançou para a constituição de uma equipa de cinco procuradores do DIAP, com o intuito de, no fundo, fazer o que ainda não foi feito. À procuradora Andrea Marques juntaram-se Valter Alves, Leonor Cardiga, Lígia Fernandes e Daniela Évora.