1 – Unir a família. E a história
O mundo dá muitas voltas. O PSD talvez mais. Paulo Rangel garante que já não se lembra da nota que deu a Luís Montenegro quando este foi seu aluno de Direito Constitucional. Na sua memória, e depois de milhares de alunos que lhe passaram pelas mãos, o novo líder do PSD seria um aluno mediano. Se por estes dias aceitou, sem disfarçar a surpresa do convite, o lugar de vice-presidente, não se trata de uma mera questão de contributo para a unidade. Talvez Montenegro seja hoje, ao seu olhar, algo mais do que a mediania de que o PSD precisa. Há, na direção, outro caso idêntico: Leitão Amaro foi também professor de Margarida Balseiro Lopes na cadeira de Direito do Ambiente, na qual recebeu nota 17. Agora encontram-se os quatro na cadeira do poder e só com o tempo se perceberá se, na tentativa de reconquistar o País, são aprovados com distinção.
Os primeiros passos, a nível interno, parecem auspiciosos. Dizia-se que Montenegro ia ter dificuldades em conquistar mulheres para a direção. Na verdade, conseguiu duas para vice-presidentes: Inês Ramalho, especialista em mercados financeiros, e a antiga deputada e ex-líder do PSD Margarida Balseiro Lopes. Depois havia alguma descrença de que ele pudesse promover a unidade, nem que fosse de fachada. Com Paulo Rangel e Miguel Pinto Luz na direção, o assunto fica arrumado. Quanto a Jorge Moreira da Silva, percebeu-se que não será obstáculo, apesar de ter deixado a ideia de que vai, como dizia o outro, andar por aí. Na função de líder parlamentar vai estar Joaquim Sarmento, o “Centeno” de Rio, e no conselho nacional, a memória viva do “passismo” em versão feminina: Maria Luís Albuquerque e Teresa Morais. Autarca de Lisboa e agora presidente do conselho nacional, Carlos Moedas, reserva para futuro, fica amarrado a um compromisso que visa alcançar o poder em 2026. O equilíbrio geracional e geográfico também foi contemplado no núcleo duro do líder, do Porto (Rangel) a Cascais (Pinto Luz), passando por Famalicão (Paulo Cunha), sem esquecer Viseu (António Leitão Amaro) ou Braga (Hugo Soares, secretário-geral) e até mesmo Espinho, terra do próprio presidente, por exemplo. Na Comissão de Auditoria Financeira, a presidência de Nunes Liberato preenche a quota cavaquista e José Matos Correia garante os mínimos barrosistas no Conselho de Jurisdição Nacional.
Com um PSD em estado quase cavernoso e ainda a ressacar de disputas quase tribais em algumas zonas do território, Luís Montenegro não esperou por uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. E levantou a alma pardacenta do partido, que sacudiu com diplomacia, pontes, emoção e apelo à memória. “Eu sou PPD”, insiste ele. E nem sequer faltaram palavras de apreço para o CDS e para o socialista Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES). E se havia baixas expetativas no início, pode dizer-se que Montenegro fez quase tudo bem, até no muro que ergueu contra o racismo, a xeofobia e o discurso anti-imigração. O “quase” que falltou é por aqui: para quem precisa de resgatar eleitorado, sobram militantes prestigiados e com peso na História do partido, mas falta cheiro a sociedade civil. Uma tarefa para Pedro Duarte e Pedrro Reis, que terão a missão de integrar no PSD um verdadeiro think tank.
2 – Povo e regionalização: como resolver
Para quem o conhece bem, Montenegro tem duas tarefas de grande calado que, mal resolvidas, o podem fragilizar. Uma delas é a Regionalização, assunto a tratar com pinças, e de que o novo líder não é propriamente um adepto. Mas a causa tem apoiantes numa parte do partido. Como resolver esse problema sem dividir ainda mais o PSD e sob a vigilância de Cavaco e de Pedro Passos Coelho, confessos antirregionalistas? Ele quer atirar o referendo para uma época em que o quadro nacional e internacional não seja o que está em cima da mesa, sem se comprometer com uma posição. Depois há o povo e a “carestia de vida”, expressão recuperada pelo próprio, tão em voga nos tempos do FMI. “As pessoas que mais precisam não acreditam que o PSD, chegado ao poder, lhes mantenha os benefícios sociais e cuidem da sua vida”, refere um ex-governante muito próximo de Luís Montenegro, palavras ouvidas a Cavaco, em privado, há semanas, quando o ex-Presidente da República deu uma conferência em Fafe, ainda que confiante de que o novo líder tem condições para recuperar esse eleitorado que o PSD perdeu. Será, pois, essa, uma das principais tarefas de Montenegro: como roubar à esquerda bandeiras sociais e provar que o partido é também fiável para uma parte da população que faz demasiadas contas à vida em tempos de inflação galopante.