Os polos negros do Movimento Zero voltaram a mostrar-se na segunda-feira pelas artérias de Lisboa. Sem rosto, mas cada vez com mais corpo. E tomando de surpresa as ruas e praças no centro da capital, desembocando às centenas no Terreiro do Paço, frente ao Ministério da Administração Interna, exigindo a demissão do ministro Eduardo Cabrita (o principal alvo dos manifestantes ao longo de todo o dia).
A iniciativa do movimento composto por elementos da PSP e da GNR – nascido nas redes sociais em 2019 – previa uma concentração diante da Assembleia da República, mas a turba humana derivou a meio da jornada para fora dos limites comunicados às autoridades, obrigando os agentes de serviço a cortarem o trânsito à pressa, instalando o caos, e levando a própria PSP a apresentar o caso junto do Ministério Público. Entre a multidão, voltou a confirmar-se a influência crescente da retórica utilizada pela extrema-direita em tempos de pandemia (e de insatisfação sócio-profissional): as reivindicações foram cantadas com apontamentos de negacionismo e de apelos à desobediência civil. Feito por polícias. Mas também familiares, amigos ou, simplesmente, simpatizantes da causa que não faltaram à chamada e engrossaram a manifestação (mesmo sem nenhuma ligação a qualquer força de segurança).
A PSP não faz comentários sobre os acontecimentos. Mas Paulo Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), admite à VISÃO preocupação em relação ao que considera ser “a evidente instrumentalização dos polícias por parte de certas pessoas ou grupos”. “É óbvio que existe atualmente um aproveitamento da insatisfação dos polícias com propósitos políticos”, garante. Por quem? “Isso não digo, mas há um setor da política portuguesa que se está a aproveitar desta situação, desta insatisfação, disso não tenho quaisquer dúvidas. E isso é algo que se observa até com muita facilidade neste género de manifestações”, diz Paulo Santos.
O sindicalista ressalva, porém, “a legitimidade” das reivindicações por melhores salários e pela atribuição do subsídio de risco para todos os polícias. E alerta o Governo para as consequências de o tempo se continuar a arrastar sem soluções. “Neste momento tudo depende do Governo. A insatisfação dos polícias é justa e compreensível. Os governantes têm agora duas opções: ou escolhem os interlocutores para debater e resolver as questões sócio-profissionais dos polícias e, neste caso, falo concretamente dos sindicatos; ou então permitem o exacerbar da contestação e, depois, aí sim, terão de lidar com estes movimentos inorgânicos e sem rosto que podem abrir caminho ao extremismo e que se podem tornar perigosos”.
A manifestação do Movimento Zero de segunda-feira resistiu à porta do Parlamento até perto das 22h. A pressão nos próximos dias está agora do lado de Eduardo Cabrita, o ministro da Administração Interna que, em abril passado, confirmou a constituição de um grupo de trabalho tendo em vista a revisão dos suplementos remuneratórios e a atribuição do subsídio de risco aos elementos da PSP e GNR até 30 de junho, e tal como já está previsto no Orçamento do Estado de 2021. A uma semana do final do prazo, sindicatos e associações sócio-profissionais das forças de segurança continuam a aguardar os números.