O Ministério Público (MP) está a investigar as alegadas declarações falsas prestadas por deputados à Assembleia da República (AR) acerca das respetivas moradas, confirmou a Procuradoria-Geral da República (PGR) à VISÃO.
O inquérito, sabe a VISÃO, visa apurar se os deputados indicaram nas declarações apresentadas aos serviços do Parlamento moradas que não correspondam aos seus efetivos locais de residência para, com isso, beneficiarem de ajudas de custos e apoios às despesas de deslocação superiores àqueles que lhes seriam devidos.
De acordo com fontes parlamentares, o MP terá solicitado no verão à Secretaria-Geral da AR a lista de moradas fornecidas pelos deputados, embora a PGR não indique se o pedido abrangeu os 230 eleitos para o hemiciclo ou apenas os deputados cujas declarações se suspeita que contenham irregularidades, na sequência de notícias de vários órgãos de comunicação social.
Conduzido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, o inquérito está sob segredo de justiça, como nota a PGR, e até ao momento não foram constituídos arguidos.
Por sua vez, o gabinete do secretário-geral da AR, Albino de Azevedo Soares, limita-se a responder à VISÃO que o processo, “a existir, ainda se encontra em segredo de justiça”, pelo que remete esclarecimentos adicionais para a PGR.
Já fonte oficial do Tribunal Constitucional (TC), onde são entregues as declarações de rendimentos, património e cargos sociais dos titulares de cargos políticos e equiparados e altos cargos públicos (diferentes das que são depositadas nos serviços da AR), sugere que, “considerando a autonomia do MP”, seja contactada a PGR para mais informações.
A polémica em torno das presumíveis declarações irregulares teve início a 17 de março deste ano com uma notícia do Observador de que o deputado Feliciano Barreiras Duarte, ex-secretário-geral do PSD, recebeu subsídios indevidos durante dez anos por indicar a morada dos pais, no Bombarral (Leiria) para o cálculo de ajudas de custo, quando em nove desses dez anos, residiu na Avenida de Roma, em Lisboa. Segundo os serviços da AR, Barreiras Duarte “declarou, para efeitos de cálculo de ajudas de custos e despesas de deslocação” que era “residente no Bombarral” entre 1999 e 2009.
Na altura, o deputado, que chegara à direção social-democrata pela mão de Rui Rio, pediu um parecer ao auditor jurídico do Parlamento para saber se a morada a considerar para efeitos de ajudas de custo teria de corresponder ao domicílio fiscal. O auditor considerou não ter “qualquer relevância o facto de o deputado ter casa própria em Lisboa”. Os serviços da AR, por seu turno, salientaram que não competia ao Parlamento verificar a veracidade das declarações dos deputados.
Ora, segundo o estatuto remuneratório dos deputados, parlamentares que vivam em Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas recebem 23,05 euros de ajudas de custo “em cada dia de presença em trabalhos parlamentares”, ao passo que um deputados cuja residência não se localize nesses concelhos aufere 69,19 euros de ajudas de custo por cada dia de trabalhos – mais 46,14 euros por dia do que os primeiros.
Já em abril, na sequência de o Expresso ter revelado que 11 (de 12) deputados eleitos pelos círculos dos Açores e da Madeira – entre os quais o líder parlamentar do PS, Carlos César – acumulavam o valor da deslocação semanal aos arquipélagos, previsto no estatuto remuneratório, e os reembolsos parciais do custo das viagens que as regiões autónomas concedem, a VISÃO noticiou que a social-democrata Rubina Berardo, a única que não levantava essas compensações nos balcões dos CTT, declarou viver na Madeira, embora residisse desde 2012 em Lisboa.
Ainda sobre a bancada “laranja”, a VISÃO escreveu, em maio, que Paulo Neves declarou residir na Madeira, apesar de viver em Lisboa desde 1986, tendo alterado a respetiva morada meses antes das legislativas de 2015 (nas quais foi eleito pela primeira vez), alteração que o próprio confirmou da seguinte forma: “Assim que me apercebi de que para ter o dístico de morador no meu carro não precisava de ter a morada fiscal em Lisboa, alterei-a para a Madeira.” A mudança, garantiu, “não aconteceu para ganhar mais dinheiro em subsídios”.
No mesmo mês, uma investigação da RTP (que cruzou os dados da AR e os do TC) detetou mais casos, nos vários partidos, de deputados cujas residências habituais, em Lisboa ou em concelhos limítrofes, não coincidiam com aquelas que indicavam como domicílios fiscais: os sociais-democratas Manuel Frexes (Fundão), Duarte Pacheco (Sobral de Monte Agraço) e Clara Marques Mendes (Fafe), a socialista Elza Pais (Mangualde), e os bloquistas Heitor de Sousa (Leiria) e Pedro Soares (Braga).