É quase certo que a maioria dos arguidos da Operação Marquês está neste momento a celebrar o resultado do sorteio electrónico que determinou o juiz que vai decidir se José Sócrates, Ricardo Salgado, Armando Vara e os outros arguidos do processo vão ou não a julgamento e se, em caso de irem, se irão ser julgados exactamente pelos mesmos crimes pelos quais estão acusados.
Ivo Rosa, madeirense que se tornou juiz aos 26 anos, é o homem que tem agora nas mãos o futuro do processo mais importante da história da democracia portuguesa e que tem José Sócrates como principal arguido num caso de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foi um sorteio electrónico, que pela primeira vez pôde ser assistido por jornalistas, a ditar a sorte dos arguidos. Estava agendado para as 16h, mas nos primeiros minutos o programa terá bloqueado e o computador não respondeu. Depois, quando respondeu, deixou de fora do processo Carlos Alexandre, o outro juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal que acompanhou a investigação desde 2013, decidindo, por exemplo, que escutas deveriam ser validadas e quais as medidas de coação que deveriam ser aplicadas aos arguidos depois dos interrogatórios, e que José Sócrates tentou, por diversas vezes, afastar do processo.
Em setembro de 2014, Carlos Alexandre, até aí único juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, passou a partilhar o edifício com o juiz João Bártolo e, mais tarde, com Ivo Rosa, magistrado que passou pelas Varas Criminais de Lisboa e também por Timor. Nesse mesmo ano de 2014, a distribuição dos processos nos tribunais passou a ser electrónica. Um dos argumentos das defesas de José Sócrates e de Armando Vara, nos requerimentos de abertura de instrução que apresentaram, é que nesse exato ano o processo Marquês deveria ter sido redistribuído electronicamente. A defesa do ex-ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos está mesmo a tentar impugnar o processo, alegando a violação do princípio do juiz natural, por não ter havido sorteio eletrónico presidido por um juiz. Assim sendo, embora o sorteio electrónico tenha afastado o juiz Carlos Alexandre, essa questão será ainda discutida nos tribunais.
Nem Carlos Alexandre nem Ivo Rosa são consensuais. Se o juiz de Mação é o mais odiado pelos arguidos e respectivos advogados, por raramente discordar do entendimento do Ministério Público e deixar cair os processos em fase de instrução; o juiz madeirense é o mais odiado pelo Ministério Público. Os procuradores entendem que Ivo Rosa tem uma visão tão pro-arguidos e tão a favor da sua privacidade que por vezes só consegue olhar para a prova directa, algo que pode comprometer seriamente a Operação Marquês – já que apenas existem provas indirectas dos alegados crimes de corrupção praticados por José Sócrates. Os procuradores defendem que raramente existe prova directa nesta complexa criminalidade económico-financeira e que, por isso, os juízes devem ter uma visão mais abrangente.
Ivo Rosa entendeu, por exemplo, no caso EDP, que Manuel Pinho não deveria ser alvo de buscas porque as suspeitas não estavam solidificadas e que o Ministério Público não deveria ter acesso aos dados bancários de António Mexia. Foi também o juiz responsável por absolver quase todos os arguidos do processo que investigou o gangue do Multibanco, quando era juiz nas Varas Criminais de Lisboa. Nesse caso, o Tribunal da Relação de Lisboa destruiu a decisão de Ivo Rosa, enviando novamente o caso para julgamento, e dessa vez os arguidos não foram absolvidos.