Ao final da tarde deste sábado, 1 de setembro, Rui Rio estreia-se, como líder do PSD, no papel de figura principal da Festa do Pontal, evento que, tradicionalmente, marca o arranque do ano político dos sociais-democratas. No fim-de-semana passado, o PS conseguiu a proeza de fazer de agitar o pachorrento mês de agosto com um caso polémico que interrompeu as férias a alguns deputados da oposição, com pedidos de esclarecimento e críticas generalizadas. Logo nas vésperas da partida do controverso comboio que levou a comitiva do PS, com partida no Pinhal Novo, na Margem Sul do Tejo, à vila minhota de Caminha, circulou um mème em que alguns socialistas reagiam às críticas: “Escusado comentários/críticas… ai e tal o comboio do PS… Vamos a Caminha porque queremos e podemos!” A composição da CP foi fretada em circusntâncias que suscitaram dúvidas sobre um eventual favorecimento daquela empresa pública aos socialistas, tendo-se falado, mesmo, de perturbações nos horários, suscetíveis de prejudicar centenas de passageiros. E isto, num momento de denúncia da degradação da ferrovia nacional…
Mas a polémica – e a marcação da agenda política… – teria continuação, à noite, no encerramento da festa. No discurso final, António Costa anunciava um pacote fiscal especial de incentivos para que quem emigrou durante o período de intervenção da troika possa regressar “ao nosso querido Portugal”. Se a fretagem do comboio já motivara um pedido de explicações do CDS, a medida anunciada foi logo objeto de críticas pela sua alegada demagogia – independentemente dos prováveis problemas de constitucionalidade, se pensarmos na preservação da equidade fiscal entre os contribuintes. Se é para dar nas vistas, Rio terá de apostar em algo mais do que a simples curiosidade mediática de se saber como correrá a festa “laranja”, na primeira vez em que se realiza na pequena aldeia serrana algarvia de Querença.
Desde aquele distante 29 de agosto de 1976, esté é já o quinto local reservado pelos sociais-democratas para darem o seu pontapé de saída da nova “época política”. Fonte Filipe, o local bucólico da freguesia de Querença escolhido, este ano, pelo PSD Algarve, longe da confusão do litoral e do calçadão de Quarteira, é “vendido” como um regresso às origens, ou seja, ao ambiente onde tudo começou, naquele ano de 1976. Então abrilhantada por Sá Carneiro, a Festa do Pontal, assim designada por decorrer no pinhal com o mesmo nome, perto de Faro, era um encontro campestre no meio da poeirada da terra batida. A verdade é que, com o brilho intermitente do Pontal, a festa dá-se melhor com o PSD em alta – ou no poder. Este ano, Rui Rio pediu ao PSD Algarve contenção nas despesas. A poupança obrigou a festa a transferir-se para a serra, a pretexto do tal regresso às origens. Longe vai o ano de 1997, em que o próprio líder Marcelo Rebelo de Sousa passou ao conhecido companheiro do PSD Algarve e carola do Pontal, Mendes Bota, do seu próprio bolso, um cheque de 5 mil contos (25 mil euros) para ajudar a organizá-la. Mas a verdade é que, volvidos 21 anos, o novo homem do leme é conhecido por ser um tanto ou quanto forreta.
O homem do leme
A expressão “homem do leme” não surgirá, aqui, por acaso. Veja se se recorda desta frase famosa: “Mesmo aqueles que discordam de nós não têm dúvidas de que o barco tem um rumo e de que há uma pessoa ao leme”. Acertou: paguem-se os direitos de autor a Aníbal Cavaco Silva, que a proferiu, em 1993, precisamente no Pontal, e que se colaria, como um selo, à pele do então primeiro-ministro. O cavaquismo corresponde, precisamernte, ao período áureo do Pontal, por ter sido Cavaco, ele próprio um algarvio, quem, em 1985, recuperou a importância deste modelo de rentrée. E era vê-lo, de mangas de camisa ou blusão de cabedal, a criar factos políticos sobre factos políticos. O Pontal marcava, então, a agenda.
Mas já três anos antes do discurso do leme, em 1990, pensando nas legislativas do ano seguinte, Cavaco havia criado um sururu político, quando falara na alegada existência de um “pacto secreto” entre o PS e o PCP para o assalto ao poder. A agitação do papão comunista parecia fazer sentido: Jorge Sampaio, que então liderava o PS, constituira, pouco antes, a coligação Por Lisboa que, em aliança com o PCP, arrebatara a câmara da capital à direita, nas autárquicas de 1989. Mas Sampaio teve, por causa desse discurso de Cavaco, uma das suas fúrias mais violentas, tendo negado de forma veemente a constituição de qualquer pacto com os comunistas que tivesse por objetivo a governação do País. Ainda assim, as palavras de Cavaco terão ficado no ouvido de algum eleitorado… E, por essas e por outras, o PSD reforçaria a sua maioria absoluta. Sampaio já não faria a rentrée do PS no ano seguinte, tendo sido substituído por António Guterres no… leme dos socialistas.
Pontal contra Pontinha
E foi precisamente Guterres quem estragou a festa ao último Pontal do período cavaquista, já com Fernando Nogueira… ao leme. O então líder do PSD e candidato a primeiro-ministro, em 1995, teve por vizinhança, em Faro, onde então a festa decorria, o comício da… Pontinha. Sim, António Guterres escolheu essa zona da cidade, a escassos 300 metros, para, no mesmo dia e à mesma hora, fazer a sua rentrée. Quem estivesse a meio ouvia ambos os discursos. Se isto teve alguma influência nas eleições desse ano, então fica a rir-se Guterres, que as ganhou…
Pode transferir-se o rali Paris-Dakar para a América do Sul, mas tirar o Pontal do algarve é matar a festa: durante o seu consulado, Marques Mendes tentou transferi-la para a Póvoa de Varzim, mas o fiasco demonstrou que não era boa ideia. E, em 2008, Manuela Ferreira Leite, eleita presidente dos sociais-democratas pouco antes, nem sequer apareceu. Não voltou a ser convidada, porque Mendes Bota, a alma da festa, não gosta de “levar duas tampas da mesma rapariga”…
Mas eis que, em 2010, Passos Coelho, recém-eleito líder e necessitado de palco, resolveu reabilitar o Pontal. Preparado minuciosamente, o evento não desiludiu. Num discurso duríssimo contra o Governo de José Sócrates, percebeu-se o que vinha aí. Mais tarde, à ceia com um grupo restrito de sociais-democratas, em Vilamoura, Passos Coelho advertiu toda a gente: “Preparem-se para a porrada”. Com efeito, sete meses depois, O PEC IV era chumbado e Sócrates caía. Mas a “porrada” da troika ainda estava para começar…
Rui Rio joga à bola
Este ano, o evento de Querença conta com jogos tradicionais e, em vez de um jantar, um almoço. Mas, se descontarmos o discurso de Rui Rio, o ponto alto será o jogo de futebol. Segundo consta do programa das festas, “pelas 10 horas, têm início as atividades desportivas, designadamente um torneio de futebol de 7, com a participação de autarcas, deputados, dirigentes nacionais e locais e membros do CEN, no Campo de Futebol Ria Park – Vale do Garrão”. Entre outras estrelas, podem dar uns toques figuras como Miguel Poiares Maduro (parece que é craque…), Carlos Moedas ou o próprio líder.
Rui Rio mostra o seu revivalismo, recuperando uma iniciativa do ano de 1996, quando o evento do Pontal começou de manhã, exatamente com um jogo de futebol entre “Rurais e Urbanos” do partido. Rui Rio, que era deputado e secretário-geral de Marcelo (então presidente dos “laranjinhas”) foi, então, o capitão dos Urbanos, que perderam por 4-2. O atual dirigente Álvaro Amaro marcou pelos Rurais um dos golos, mas disse do guarda-redes adversário, Luís Marques Mendes: “É um pequeno-grande guarda-redes”. Já Marcelo Rebelo de Sousa, nomeado para árbitro, acabou por faltar. Disseram as más línguas que “para evitar os apupos”.
Pela ala direita, Rui Rio apareceu frequentemente isolado, mas os fiscais de linha faziam vista grossa às muitas vezes em que se encontrava em posição irregular. Com explicaram, no final do jogo, os “bandeirinhas”, “não se marcam offsides ao secretário-geral”. Desta vez, pode não ser tão fácil: veremos se a sua liderança não será colocada fora de jogo após as eleições de 2019.
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