Depois de pedirem o levantamento do sigilo bancário e fiscal do ex-ministro Manuel Pinho, os procuradores do Ministério Público que conduzem o processo que investiga suspeitas de corrupção na EDP decidiram seguir a sugestão da Polícia Judiciária e fazer o mesmo em relação aos outros arguidos do processo, entre eles António Mexia, presidente executivo da EDP, e João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis.
Só que, a 3 de Outubro, o juiz de instrução Ivo Rosa mandou abaixo essa decisão do Ministério Público e determinou que até se esgotarem todos os recursos possíveis do seu despacho, os dados bancários e fiscais que a investigação tinha pedido a entidades bancárias e à Autoridade Tributária sobre António Mexia e Manso Neto têm de ficar selados e não podem ser usados no processo. Isto porque, diz o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal que já há uns meses impediu buscas a Manuel Pinho e arrasou a investigação, a decisão do Ministério Público não está minimamente fundamentada.
No despacho judicial a que a VISÃO teve acesso, Ivo Rosa volta a criticar a investigação conduzida pelos procuradores Carlos Casimiro e Susana Figueiredo, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Diz que “o despacho do Ministério Público não contém fundamentação factual nem qualquer indicação de elementos probatórios existentes no processo” que levem “à conclusão da existência de indícios da prática de um crime de corrupção e de participação económica em negócio por parte dos arguidos António Luís Mexia e João Manuel Neto”, que daquele despacho “não constam elementos, ainda que mínimos” que permitam “concluir pela necessidade do recurso” àquele meio de prova e que para fazer aquele exigência – que, sublinha, colide com restrições fundamentais consagradas na Constituição – não basta “a mera repetição do enunciado na lei”.
“É evidente que não é exigível, muito menos numa fase embrionária do processo, que a motivação seja tão completa como se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime (…) Mas, também, não podemos cair no exagero contrário traduzido numa total ausência de motivação, onde o despacho mais não é do que uma mera repetição dos dizeres da lei sem qualquer consistência factual”, sublinha aquele juiz de instrução criminal.
O despacho do Ministério Público limita-se a dizer que depois do levantamento do sigilo bancário e fiscal de Manuel Pinho se verifica “idêntica necessidade quanto aos restantes arguidos já constituídos no inquérito”. Acrescenta que estão em causa no processo factos susceptíveis de integrar os crimes de corrupção passiva, corrupção ativa com agravação e participação económica em negócio. Mais tarde, em resposta à contestação dos arguidos António Mexia e Manso Neto, o Ministério Público alegou simplesmente não depender da autorização do juiz de instrução para tomar aquela medida pois os crimes sob suspeita constam do catálogo de crimes em que se combate a criminalidade organizada.
Só que Ivo Rosa não concordou com a teoria de que no processo penal essa quebra de sigilo “funciona de forma automática sem necessidade de qualquer fundamentação”. No despacho judicial refere até que essa interpretação da lei “é manifestamente contrária à Constituição” porque contende com “o direito à privacidade constitucionalmente garantido e protegido”. E volta a lançar duras críticas, dizendo que o procurador que proferiu aquela decisão não indicou qualquer elemento de prova que permitisse desconfiar de qualquer um daqueles crimes: “Assistimos a uma ausência total de explicação da razão por que se decidiu daquela forma. Não conseguimos alcançar, atenta a falta das premissas, a forma como se chegou àquela decisão. O titular da ação penal limitou-se a enunciar os tipos de crime investigados nos presentes autos e a enquadrá-los no catálogo de crimes constantes da lei, para concluir pela necessidade de quebra do sigilo fiscal e bancário”.
No final, o juiz Ivo Rosa concluiu haver “irregularidade” no despacho do Ministério Público e concluiu que, no que respeita aos arguidos António Mexia e Manso Neto, todas as solicitações dirigidas às Finanças e a instituições bancárias e as respostas remetidas ao processo por aquelas instituições “devem ser desentranhadas e acondicionadas em envelope fechado até ao trânsito em julgado” do seu despacho, isto é, até a sua decisão não ser passível de recurso.
Em julho deste ano, o mesmo juiz de instrução criminal já tinha impedido a investigação de fazer buscas a Manuel Pinho, que já foi constituído arguido no processo, por entender que não se vislumbravam provas contra o ex-ministro da Economia. “Não se vislumbra a existência de indícios, ainda que mínimos, da prática do alegado crime de corrupção por parte do suspeito Manuel Pinho. (…) Nada resulta que a pessoa em causa, enquanto ministro da Economia” tenha atuado “no exercício das suas funções públicas, com a intenção de dar proteção aos interesses e pretensões da EDP e dos arguidos António Mexia e João Manso Neto, solicitando ou aceitando destes vantagens patrimoniais ou não patrimoniais, diretas ou indirectas (…) Nada indicia a existência daquilo a que podemos chamar o mercadejar com o cargo de ministro”, diz o despacho do juiz então divulgado pelo “Expresso”.
Já sobre o facto de a EDP ter patrocinado a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde Manuel Pinho deu aulas, o juiz disse ser uma circunstância “manifestamente insuficiente” para se concluir ter existido vantagem indirecta em troca das pretensões da EDP”.
O Ministério Público já fez vários arguidos no processo que investiga o fim dos contratos de aquisição de energia e a posterior celebração dos CMEC [Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual]”, sendo os nomes mais sonantes Manuel Pinho, António Mexia e Manso Neto. Também João Conceição, administrador da REN e ex-assessor de Manuel Pinho, o director de regulação da REN, Pedro Furtado, o ex-presidente da REN Rui Cartaxo e um ex-administrador executivo da EDP e vice-presidente da Boston Conssulting Group (Pedro Rezende) são arguidos neste processo.