Tânia Gouveia foi uma das primeiras testemunhas a ser ouvidas pelo Ministério Público depois de José Sócrates ser detido, em novembro de 2014, por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Durante nove anos viveu com António Pinto de Sousa, irmão de José Sócrates que morreu em 2011, em união de facto; juntos tiveram uma filha. A equipa que conduz a Operação Marquês estava interessada em compreender o património da família que José Sócrates usara frequentemente como argumento para a vida faustosa que levava enquanto era primeiro-ministro e depois de deixar de ser governante.
Tânia Gouveia foi taxativa: os imóveis de Maria Adelaide, mãe de José Sócrates e de António, eram “casinhas de porteira”. Casas pequenas e antigas, explicou, que valeriam hoje 35 mil euros. Mesmo a casa na zona histórica de Cascais para onde Maria Adelaide se mudara depois de vender o apartamento na Braamcamp seria um T1 mínimo, pouco maior do que a sala onde estava a ser ouvida no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), contou ao procurador Rosário Teixeira e ao inspetor tributário Paulo Silva. E seria com o dinheiro da venda dessas pequenas casas que Maria Adelaide conseguiria comprar um apartamento na Braamcamp? Tânia Gouveia não sabe como: a 25 mil euros cada, quantas casas de porteira seriam necessárias para pagar uma casa de meio milhão de euros, questionou.
Ao longo do seu depoimento, que ocorreu em dezembro de 2014, Tânia Gouveia explicou que António e José Sócrates eram “íntimos”, tal como íntima era a relação entre António e a mãe. Contou que fez várias viagens só com António, e sempre tratadas pelo gabinete de Sócrates quando aquele era primeiro-ministro, e sempre sem que tivesse de pagar um cêntimo. Contou ainda que fez outras com o então governante e uma série de amigos daquele – incluindo José Paulo Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva, dois dos suspeitos de utilizarem as suas contas como contas de passagem de dinheiro que, na verdade, seria de José Sócrates. Foi ao Algarve por diversas vezes, a Veneza, ao Brasil, à zona de Itália que faz fronteira com a Áustria. Ficavam sempre em hotéis de cinco estrelas, chegaram a ter direito a motorista e pediam o que queriam, com as despesas a serem suportadas pelo ex-governante.
Aos investigadores, Tânia Gouveia assume que não teria dinheiro para pagar despesas daquele calibre. António receberia 700 euros como funcionário público; ela, dedicada ao imobiliário, pouco trabalhara desde que nascera a filha. Apesar dessas circunstâncias, a testemunha relatou ser habitual o ex-companheiro viajar para a Suíça, indo num dia e voltando noutro, dizendo que ia a bancos. Que dinheiro estaria nesse banco se António não tinha dinheiro?, queriam saber os investigadores. Tânia Gouveia contou que, segundo António, o dinheiro em causa seria de José Sócrates e de José Paulo Pinto de Sousa. Em que banco estava e quanto dinheiro era não sabia dizer, tudo o que envolvia o dinheiro da família era “um mistério”. E porque iria António? Tânia Gouveia também não compreendia, até porque António não saberia falar outros idiomas.
Para além do mais, acrescentou, dois dias depois da morte de António tinha sido obrigada a mudar de fechadura porque entraram em casa e levaram o passaporte de António e todos os extractos bancários. De acordo com o relato de uma vizinha, terá sido Maria Adelaide a fazê-lo. “Rapinou tudo”, disse aos investigadores, descrevendo que encontrou envelopes “gordíssimos” vazios. Usou o mesmo verbo “rapinar” para contar que o dinheiro que António teria em contas bancárias em Portugal – 20 ou 30 mil euros – também teria desaparecido. E quando foi à procura de um cofre – porque António lhe costumava dizer que se lhe acontecesse alguma coisa estava lá dinheiro suficiente para suportar a hipoteca e a educação da filha – também não encontrou cofre algum.