Alguma vez recebeu uma chamada no seu telemóvel pessoal com alguém do outro lado a tentar vender um produto e questionou: “Como é que teve acesso ao meu número privado?” E será que lhe responderam que tinham comprado uma base de dados que tinha o seu nome? Chama-se crime de falsidade informática e é um dos que mais cresceu nos últimos anos em Portugal.
Num mundo digital em que as redes sociais eliminaram fronteiras físicas e onde os perigos se escondem num ciberespaço que ninguém controla, o Governo decidiu dotar a Polícia Judiciária de mais meios para investigar e combater o cibercrime.
Por isso, no final do mês será criada em Conselho de Ministros a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica, dentro da Polícia Judiciária.
Equiparar a atual secção de Lisboa dedicada ao cibercrime a uma unidade nacional desta força policial é o principal objetivo, garantindo com isso que haverá um reforço de meios técnicos e humanos para melhorar os resultados das investigações a este nível.
À VISÃO, o atual coordenador da PJ com este pelouro, Carlos Cabreiro, explica que o grande objetivo “é aglutinar as várias valências e capacidades que a polícia já tem” e dar-lhe “maior autonomia”, para o combate a um tipo de crime que “está a evoluir muito rapidamente e que também exige uma formação muito específica, que com a unidade será possível aperfeiçoar”.
Dados da PJ relativos aos inquéritos abertos por crimes informáticos com início de investigação em 2014, a que a VISÃO teve acesso, revelam que a generalidade dos crimes praticados com recursos informáticos previstos na lei tiveram um aumento significativo no último ano. As burlas informáticas e nas comunicações constituem um dos principais problemas para os investigadores, com um aumento na ordem dos 67% de 2014 para 2015.
As infrações mais comunicadas à PJ dizem respeito à aquisição da bens através da internet, relacionadas com compras que servem apenas para obter dados de cartões de crédito e outros meios de pagamento. Há também ainda os crimes relativos à obtenção de trabalho, com anúncios online de empregos que afinal são falsos. Arrendamento de imóveis é outra das burlas em que os inspetores têm tido mais trabalho no último ano. No ano de 2015, a PJ abriu 7800 inquéritos por burla informática, mas apenas conseguiu constituir 322 arguidos e prender 18. Mas Carlos Cabreiro explica que esta tipologia de crime é “um caldeirão, porque sempre que existe uma dificuldade em qualificar o crime, ele é apresentado como burla informática”.
A ideia é que num tipo de crime que é transnacional, a criação de uma unidade autónoma dentro da PJ permita também uma maior coordenação a nível internacional, fazendo com que exista um ponto de contacto permanente, 24/7, que acaba também por “robustecer a capacidade interna da PJ”, considera o coordenador.
Pornografia infantil
Uma das grandes preocupações dos inspetores que se dedicam a investigar o ciberespaço é a pornografia infantil. Em Portugal, ela está a aumentar a ritmo elevadíssimo, registando-se entre 2014 e 2015 um aumento de 82% nos crimes relativos a este tipo de prática, envolvendo menores. De 94 inquéritos abertos pela polícia de investigação em 2013, passou-se para 440 em 2015. Carlos Cabreiro tem uma explicação: “A própria sociedade denuncia mais. Existem grupos de trabalho a nível mundial e dentro da Europol que estão a trabalhar de forma conjunta e a fornecer informação de países para países, o que aumenta o número de investigações.” Além disso, acrescenta, existem “grupos de alerta e Organizações Não Governamentais que ajudam a denunciar estes crimes”.
Só que da denúncia à efetiva condenação de quem pratica este tipo de crimes vai uma longa distância. O coordenador do departamento de cibercrime da PJ admite que há uma “enorme dificuldade em identificar quem é que começa por expor determinada imagem de uma criança” e acredita que parte do problema se resolveria com o acesso da polícia aos chamados metadados, ou dados de tráfego na internet. Uma questão que tem estado a ser discutida e que recentemente levou a um chumbo do Tribunal Constitucional, que não permitiu o acesso a este tipo de informação aos serviços secretos portugueses.
Carlos Cabreiro explica que “sem acesso aos dados de tráfego, dificilmente se consegue atribuir a prática de crime a alguém”. O facto de esta ferramenta estar vedada à PJ é um dos calcanhares de Aquiles na investigação dos crimes relacionados com pornografia infantil e tudo o que se relaciona com o ciberespaço, incluindo o próprio terrorismo. Mas Portugal não é caso único e o acesso aos metadados é uma das discussões que está atualmente em cima da mesa em muitos países europeus, seja no que toca a quem deve ter acesso como ao tempo que esta informação deve estar disponível.
“Imagine que alguém chega ao nosso piquete e reclama que tem a sua fotografia ou a do seu filho exposta num site de pornografia na internet. É preciso que se criem mecanismos céleres para que seja possível retirar de imediato aquela fotografia da rede e considerá-la informação criminal. Esse tem que ser o primeiro passo, mesmo que depois precise de ser covalidado por um juiz.” Sem esta hipótese, Carlos Cabreiro diz que “as polícias sentem-se incapacitadas de chegar a alguns elementos de prova.”
Falsidade informática
Nos crimes de falsidade informática, a PJ abriu o triplo dos inquéritos em 2015, relativamente a 2013 (154 contra 50), mas apenas prendeu uma pessoa. O mesmo aconteceu com a sabotagem informática, que passou de 33 inquéritos abertos em 2013 para 104 e não levou a qualquer prisão.
Recentemente, a PJ conseguiu ser bem sucedida na chamada operação Signal. No final de junho foram identificados e detidos três homens e três mulheres, parte de duas redes criminosas, que atuavam nas zonas da Grande Lisboa e Algarve e se dedicavam à recolha ilícita e comercialização de dados pessoais armazenados em bases de dados de empresas portuguesas com avultada expressão numérica de clientes.
No caso desta operação Signal, a PJ informou então que “não obstante a proteção empresarial exercida sobre tais dados pessoais, os autores acediam aos sistemas corporativos das empresas onde eram trabalhadores, copiavam a informação pessoal de valor comercial para estabelecimento de perfil de utilização, vendendo-os a terceiros, concorrentes na área de mercado em causa”.
Todo um mundo novo a que a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica promete dar o máximo de atenção.