Um juiz não pode ter menos direitos de defesa do que um simples cidadão. Esta é uma das conclusões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) numa decisão de 21 de junho que condenou o Estado português a indemnizar três juízas que tinham sido sancionadas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de disciplina dos juízes, depois de questionarem a sua independência e imparcialidade e a impossibilidade de defesa junto de um tribunal de recurso.
O tribunal europeu responsável por analisar as queixas de quem se sente vítima da violação de direitos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem decidiu por unanimidade que em três casos de queixas apresentadas por três juízas foi violado o direito a um processo equitativo. Portugal terá de pagar 5876 euros a uma juíza e 7800 euros às outras duas.
Paula de Carvalho e Sá era juíza de 1ª instância em Vila Nova de Famalicão quando, em 2010, no decorrer de um telefonema com um inspetor do Conselho Superior de Magistratura (CSM) o chamou de “mentiroso”. Um outro inspetor judicial disse que tal comportamento violava o dever de correção a que os juízes estão obrigados. Dias mais tarde, terá descoberto que a juíza o acusara de trabalhar “com inércia” e “falta de diligência”. O plenário do órgão disciplinar condenou-a a pagar uma multa equivalente a 20 dias de salário. A juíza ainda recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou a decisão do Conselho Superior, alegando que a sua tarefa não era “rever os factos”.
Sofia dos Santos foi condenada a pagar uma multa equivalente a 25 dias de vencimento por alegadamente não ter atuado com interesse geral e não sido diligente em vários casos que reportam a 2010. Também esta magistrada recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que assinaria por baixo. O tribunal superior tomaria a mesma atitude no caso de Maria Figueiredo, condenada a pagar 50 dias de salário por não atuar em favor do interesse geral, dever de diligência, lealdade e informação.
Uma das queixas apresentadas pelas juízas dizia respeito precisamente ao facto de não se terem conseguido defender junto daquele tribunal de recurso, que se recusara a reapreciar os factos que tinham determinado as suas condenações. Não tinham podido ter uma sessão de julgamento pública, apresentar testemunhas ou de qualquer outra forma provar que a sua produtividade não correspondia ao determinado pelo Conselho Superior da Magistratura.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem concluiu ter sido violado o direito a um julgamento imparcial. E que o facto de o Supremo Tribunal de Justiça estar impedido por lei de reapreciar estes casos constitui “um recurso insuficiente” para os visados, não possibilitando as garantias de defesa que a Convenção Europeia consagra. Entendeu ainda ter sido violado o direito a uma audiência pública, direito fundamental do direito penal e processual.
O art.º 6.º da convenção prevê que “qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”.
O tribunal europeu também não deixou de questionar a composição do Conselho Superior da Magistratura, composto por juízes e por pessoas que não são da magistratura e que são nomeadas diretamente pelo poder executivo. Este facto, para o TEDH, é suficiente para pôr em causa “a independência e imparcialidade” de algumas decisões.