A conta do ex-primeiro-ministro na CGD estava quase sempre a descoberto. Terá mesmo havido meses em que 25 mil euros não terão sido suficientes para cobrir todos os encargos. A tese do Ministério Público é de que, para que não entrassem na sua conta quantias em numerário que não podia justificar, Sócrates recorreria a empréstimos bancários, de forma a dar uma aparência legítima às suas despesas. Além de um empréstimo maior de 125 mil euros, o ex-primeiro-ministro terá contraído outros quatro: um de 25 mil euros, outro de 75 mil, outro de 40 mil e um último de 30 mil euros. Quase todos por prazos de um ou dois anos. Para o Ministério Público, Sócrates estaria convicto de que teria liquidez para conseguir suportar aquelas mensalidades, liquidando os empréstimos.
O SALÁRIO DA OCTAPHARMA
O Ministério Público até admite que o primeiro contrato de 12 500 euros mensais entre Sócrates e a Octapharma, de que Paulo de Lalanda e Castro era administrador, seria real, em troca dos contactos angariados pelo ex-primeiro-ministro: Sócrates terá diligenciado para chegar a Lula da Silva e pessoas influentes no Brasil; conseguido encontros com Temir Porras, braço-direito de Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela; e promovido almoços com o ex-ministro António Vitorino, que teria ligações a um empresário que poderia ser útil aos negócios da farmacêutica. A determinado momento, Sócrates terá sido confrontado com um pedido: dizer umas palavras sobre a Venezuela para um spot publicitário, a troco de se encontrar com Nicolás Maduro. Entendeu que a missão não se adequava à postura de um ex-chefe de governo – era uma “saloiada” – e terá proposto uma alternativa: fazer uma referência à Venezuela no seu comentário semanal na RTP.
Já o segundo contrato, diz o Ministério Público, seria uma farsa. Sócrates e Santos Silva terão arquitetado um plano, já em 2014, para simular que Sócrates receberia mais 12 500 euros da Dynamicspharma, empresa portuguesa controlada por Lalanda e Castro. Só que o dinheiro viria, na verdade, de Santos Silva: sairia das contas da XMI Management & Investments para uma sociedade de Lalanda no Reino Unido, a Intelligent Life Solutions LLP (ILS). À chegada da primeira transferência ao Reino Unido, também Lalanda terá usado suposta linguagem de código, dizendo que “a condessa chegou a Londres”. A história envolve ainda suspeitas de manipulação de documentos. Como o Expresso revelou, os investigadores terão descoberto que um relatório que serviria para certificar um verdadeiro contrato de prestações de serviços entre a XMI e a ILS, e enviado para a morada da XMI, terá sido redigido a pedido de Santos Silva.
Com este efeito, terão saído duas transferências da XMI rumo ao Reino Unido, num total de 250 mil euros. O objetivo de Sócrates, segundo os investigadores, seria atribuir-se a si próprio prémios de desempenho no final do ano, conseguindo assim saldar o empréstimo de 30 mil euros pedido à CGD. Para o Ministério Público, Lalanda e Castro terá sido mais um veículo para os dois amigos conseguirem lavar parte do dinheiro de Sócrates que se encontraria nas contas de Santos Silva.