Acordo – O sinal de que a esquerda se poderia unir foi dado logo na noite eleitoral, dia 4 de outubro. No seu discurso, António Costa disse que “não inviabilizaria” um governo se não tivesse outro para apresentar. Estava aberta a janela, a porta e o portão para um entendimento entre Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP) e Partido Ecologista Os Verdes (PEV). Depois, foi o fim do tabu de que socialistas e comunistas não se sentam à mesma mesa. As reuniões começariam no dia 7 de outubro e culminariam um mês depois.
Belém – Ao quinto dia (depois das eleições, naturalmente) Marcelo Rebelo de Sousa diz, finalmente, aquilo para que se andou a preparar durante anos. Na biblioteca de Celorico da Basto, apresentou-se como candidato à presidência da República. Uns dias mais tarde, Maria de Belém formalizou a mesma pretensão. Nenhum dos dois tem o apoio oficial dos seus partidos. Seguiram-se Edgar Silva, pelo PCP, e Marisa Matias, pelo BE.
Coligação – Pedro Passos Coelho e Paulo Portas não se cansaram de dizer que ganharam as eleições, mas foram ultrapassados pela atenção dada às negociações à esquerda. Numa entrevista à TVI, Portas dramatizou a situação e disse que cederia o seu lugar a António Costa como número dois do Governo. Nada feito.
Discurso – “Nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas anti europeístas”. Esta foi das frases proferidas por Cavaco Silva, a 22 de outubro – na comunicação em que informou ter indigitado Passos Coelho como primeiro-ministro –, que deixou a esquerda a rebentar de nervos. Cavaco foi acusado de ser um presidente de fação, de excluir partidos da vida política e de mandar recados com vista à rebelião entre os deputados socialistas.
Esperar – Passou mais de um mês desde as eleições legislativas. Esperámos 26 dias para o Governo tomar posse e 33 por um acordo de esquerda. Em 48 horas, o Governo foi derrubado no parlamento. Agora esperamos, novamente, que Cavaco Silva tome uma decisão. Ou indigita António Costa ou… o melhor é esperar.
Facebook – A rede social tem sido local para desabafos de toda a ordem. Foi aí que Sérgio Sousa Pinto se explicou, que outros socialistas teclaram sobre o seu desalento com as escolhas de António Costa ou o aplaudiram. Foi, também, aí, por exemplo, que nasceu o movimento Compromisso Democrático que pretendia um entendimento entre PS, PSD e CDS.
Governo – O Executivo apresentou na segunda e terça-feira, 9 e 10 de novembro, na Assembleia da República, o seu Programa de Governo. Passos Coelho foi o primeiro a falar e garantiu que o articulado da coligação era “coeso e credível” e lançou farpas para a esquerda e para a sua “política de ruína”. Paulo Portas começou o seu discurso a dizer que “as convenções foram reduzidas a pó”, como “a que diz que quem ganha governa e a que diz que quem tem mais deputados preside à Assembleia da República”. Como prometido, foram apresentadas quatro moções de censura, do PS, BE, PCP e PEV.
Historicamente – Dois dias depois das eleições, Cavaco Silva – que não foi às cerimónias do 5 de outubro por “se concentrar na reflexão sobre as decisões que terá de tomar nos próximos dias”, segundo explicou à Lusa uma fonte da presidência – chamou Passos Coelho a Belém para o “encarregar” de “desenvolver diligências com vista” à formação de “uma solução governativa”. O Presidente avisou que essa solução “deverá dar aos portugueses garantias firmes de que respeitará os compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado Português”, como a NATO, a União Europeia, a Zona Euro e a CPLP. Estava dado o primeiro recado à esquerda.
Inconclusiva – Com Passos Coelho à frente, e Paulo Portas no enquadramento televisivo, o primeiro diz que à segunda não foi de vez. A reunião entre PàF e PS, no Largo do Rato, foi “bastante inconclusiva” (a mesma expressão com que Costa tinha classificado o primeiro encontro). Num tom mais incisivo, Passos declara que foi “a coligação que venceu as eleições” e que nunca iria governar com o programa do PS. O líder socialista não desarmou e referiu que PSD/CDS se limitaram a incluir “enfeites de natal” – 23 propostas do PS – no Documento Facilitador que entregaram aos socialistas como base para o debate.
Jerónimo – O secretário-geral do PCP foi uma das grandes figuras destes longos dias. Tendo ficado com menos deputados do que o BE, Jerónimo de Sousa fez finca pé nas suas posições e foi o último a tomar uma deliberação definitiva sobre o acordo à esquerda, deixando o PS, e o País, em suspenso. Demarcou-se do BE, apresentando uma moção de rejeição ao Governo em separado (o que os outros partidos acabariam por fazer também) e, diplomaticamente, pediu que o acordo com o PS fosse assinado em separado numa das salas do parlamento, ficando Costa e a sua equipa como mestre de cerimónias para a assinatura de cada um dos acordos com PCP, BE e PEV.
Leitão – Depois de Sérgio Sousa Pinto bater a porta da direção do PS, em revolta contra a união da esquerda a que chamou de “barafunda suicidária”, Francisco Assis fez soar o seu alarme. “Impensável” e “erro histórico” foram dois dos apodos com que qualificou o acordo entre socialistas e comunistas. Assis tornou-se a voz de uma certa revolta interna socialista e marcou um almoço na Mealhada – que seria cancelado, dada a marcação da Comissão Política do PS para o mesmo dia, e, depois, remarcado para a noite anterior. À volta dos leitões estiveram cerca de 300 comensais que discordam do rumo escolhido por Costa.
Moção – Ou moções. Ainda as urnas estavam a arrefecer e já se prometiam moções de censura à PàF. Todos os partidos da esquerda fizeram saber que iriam rejeitar o Programa de Governo da dupla Passos e Portas, embora o PS tenha feito depender essa estratégia de uma alternativa de Executivo para apresentar no parlamento.
Natureza – A “fúria demoníaca da natureza” marcou a primeira intervenção do ministro estreante da Administração Interna. Calvão da Silva invocou Deus e o Diabo perante a calamidade que se abateu sobre Albufeira depois de várias horas de chuva intensa. O ministro ainda fez questão de falar nos seguros necessários para enfrentar este tipo de situações.
Ovos – Sem eles não se fazem omeletes. António Costa precisava do apoio do PCP e BE para se apresentar como alternativa à coligação de direita. Depois de inúmeras reuniões, avanços e recuos o último sopro apenas foi dado na sexta-feira, 6 de novembro, quando o PCP fez saber que “estão reunidas as condições para pôr fim ao Governo PSD/CDS-PP” e “assegurar um governo da iniciativa do PS”. Entre PS e BE, as negociações já haviam sido fechadas antes.
Papel. Qual papel? – Na volta do correio, Passos Coelho recebeu uma carta de resposta ao Documento Facilitador que apresentara aos socialistas. Em seis páginas, Costa acusa a coligação de “uma política de falta de transparência e ocultação de informação”. No mesmo dia, na TVI, o líder do PS referiu que a direita foi “sempre deixando cair novas surpresas desagradáveis que um dia vão ser tornadas públicas sobre a real situação financeira do país”. Maria Luís Albuquerque acusou o toque e contra-atacou: “hoje não é possível ter contas ocultas”, devido ao escrutínio que é feito por “várias entidades”.
Quatro – Número de moções de rejeição apresentadas contra o Programa de Governo PSD/CDS. Os documentos foram entregues ao Presidente da Assembleia da República pelos líderes parlamentares de cada um dos partidos de esquerda, PS, BE, PCP e PEV. Apenas a do PS foi votada – foi a primeira a ser entregue –, já que efetivou a demissão do Governo, com 123 votos (todos os deputados da esquerda e o deputado do PAN) a favor e 107 contra.
Reunião – Foi na sede de cada um dos partidos que tudo começou. António Costa fez o pleno e foi “à casa” de todos os partidos (PCP, PSD, PEV, BE e PAN – Pessoas, Animais, Natureza, por esta ordem) para dar início às conversações com vista à formação de um Governo “estável e duradouro”. Seguiram-se, depois, várias reuniões técnicas com membros de cada um dos partidos da esquerda, com exceção do PSD, que se ficou por dois encontros, e do PAN.
Semântica – Não é por um ano, por dois ou quatro. É “na perspetiva da legislatura” que foi firmado o acordo entre PS e PCP, disse Jerónimo de Sousa. É na nuance das palavras utilizadas que, mais uma vez, se fez política. Embora o líder comunista tenha enfatizado que “como não houve revisão constitucional, uma legislatura são quatro anos”, a perspetiva pode mudar. Já que, por exemplo, a aprovação dos Orçamentos do Estado será discutida caso a caso.
Tomada – O XX Governo Constitucional tomou posse no dia 30 de outubro, no Palácio da Ajuda. Em cerimónia conjunta, 16 ministros, 51 secretários de Estado, um subsecretário de Estado e o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho juraram “desempenhar com lealdade as funções” que lhes foram confiadas. Com uma vida curta mais ou menos anunciada e assumida, Passos optou por manter no Governo 35 dos membros anteriores, embora tenha criado duas novas pastas: Cultura, Igualdade e Cidadania e Modernização Administrativa.
Uma – Aventura na Assembleia da República – A primeira sessão legislativa, a 23 de outubro, foi uma aventura para os vários deputados estreantes. Conhecer os cantos à casa, preencher a papelada burocrática, tirar fotografias e fazer um vídeo de apresentação (este opcional). O estúdio fotográfico foi montado no Salão Nobre e vários deputados não gostaram do primeiro retrato e pediram para repetir. António Costa foi um dos que não gostou do primeiro “take”.
Votação – A eleição do novo Presidente da Assembleia da República foi o primeiro ato oficial da nova Assembleia da República. Com os ecos do discurso, feito na noite anterior, de Cavaco Silva ainda no ar, a esquerda uniu-se. Fernando Negrão, do PSD, e Ferro Rodrigues, do PS foram os dois candidatos apresentados. Ferro ganhou com 120 votos (Negrão teve 108) e o PS foi acusado de quebrar uma tradição que fez eleger sempre a segunda figura institucional do País saindo esta das fileiras do partido mais votado nas eleições.
Xerazade – O realizador Miguel Gomes pegou na história de As Mil e Uma Noites e fez uma trilogia (nos cinemas) sobre a crise em Portugal. Diz que este “não é um filme político” porque “a realidade é muito complexa”, mas pôs a “sua” Xerazade como cronista do “reino”. Esse “reino” é Portugal e os efeitos que a austeridade provocou em muitas famílias. Filmou, por exemplo, a greve dos trabalhadores dos estaleiro de Viana do Castelo, uma manifestação de polícias e entrevistou três pessoas que perderam o emprego devido à crise.
Zé-dos-anzóis – Comentadores, opinion makers, bloguers, colunistas, twitteiros, etc. As opiniões dividiram-se e a polémica foi acesa durante os 37 dias que mediaram as eleições legislativas e o chumbo, no parlamento, do Programa de Governo do PSD/CDS e a consequente queda do Executivo.