Um artigo publicado num site (que se autodenomina “coletivo de informação” composto por “revolucionários e revolucionárias de várias estirpes e preocupações que partilham um ódio mútuo ao capitalismo”) acusa Volodymyr Zelensky de ter banido 11 partidos que, juntos, representariam quase metade do eleitorado. O mesmo texto, que tem estado a ser muito partilhado nas redes sociais, diz que a maioria destes partidos são de esquerda.
O título do artigo do Guilhotina.info (“Ucrânia: Com mais 11 partidos banidos, 44% do eleitorado não tem representação”) não é, no entanto, suportado pelos factos – e nem pelo próprio texto.
Os 11 partidos em causa começaram por ser suspensos em março, por terem ligações estreitas com a Rússia. “O conselho de segurança e defesa nacional decidiu, dada a guerra em grande escala desencadeada pela Rússia, e os laços políticos que várias estruturas políticas têm com este Estado, suspender qualquer atividade de vários partidos políticos pelo período de lei marcial”, justificou Zelensky, na altura.
Entretanto, a 3 de maio, os deputados ucranianos aprovaram, com 330 votos a favor (o parlamento tem 450 lugares) uma lei que bania definitivamente estes partidos. “A lei adotada oferece uma oportunidade de responder prontamente às atividades de partidos anti-ucranianos e colaboracionistas na Ucrânia, proibindo-os”, declarou o presidente do parlamento, Ruslan Stefanchuk. “O Ministério da Justiça vai recolher provas de tais atividades e levá-las ao tribunal, que deve proibir o partido que está a trabalhar para o inimigo. Se o partido for proibido, a propriedade e outros bens tornam-se propriedade do Estado.”
Os partidos banidos são os seguintes: Plataforma de Oposição – Pela Vida, Bloco de Oposição, Partido de Shariy, Nashi, Estado, Bloco Volodymyr Saldo, Oposição de Esquerda, União de Forças de Esquerda, Partido Socialista Progressivo da Ucrânia, Partido Socialista da Ucrânia e Partido dos Socialistas. Quase todos estes partidos estão inativos.
Da lista de 11, apenas os três primeiros concorreram às últimas legislativas, em 2019 (eleições que contaram com a participação de 22 partidos, no total). A Plataforma de Oposição – Pela Vida, um partido declaradamente pró-russo e fundado por Viktor Medvedchuk, amigo íntimo e compadre de Putin, conseguiu 13% dos votos, elegendo 43 deputados. O Bloco de Oposição recebeu 3%, não tendo atingindo o patamar mínimo de 5% para ter representação pelas listas nacionais, mas elegeu seis deputados pelas listas regionais. Finalmente, o Partido de Shariy não teve mais de 2,2%, falhando a eleição de qualquer representante.
Somando os dois partidos com representação parlamentar agora proibidos, chegamos a um total de 49 deputados, o que representa 10,9% do total de 450 assentos no parlamento. Bem longe dos 44% apontados pelo título do texto do site Guilhotina.info.
Outra alegação do mesmo artigo é que seis dos 11 partidos banidos são de esquerda. Mas isso também não é verdade. Na generalidade dos países da ex-URSS, a ideologia partidária é muito fluida, explica o GSDRC (Governance and Social Development Resource Centre, um grupo de estudos britânico): “A fraqueza da ideologia nos partidos políticos é comum em toda a Eurásia pós-soviética, não apenas na Ucrânia, tornando a região diferente da Europa Oriental pós-comunista e dos estados bálticos.
O facto de ter “socialista” no nome não tem qualquer significado. O Partido Socialista Progressivo da Ucrânia, por exemplo, é descrito como de extrema-direita pela Escola de Estudos Eslavos e do Leste Europeu da University College London. Por outro lado, o último candidato do Partido Socialista da Ucrânia, Illia Kyva, foi dirigente do Setor Direito, partido tido como de extrema-direita. Este político tornou-se mais tarde deputado da Plataforma da Oposição – Pela Vida. Logo no início da guerra, apoiou a invasão, o que o levou a ser expulso do partido e acusado de alta traição. Kyva, que se encontrava fora do país na altura, viria ainda a apelar a um ataque nuclear da Rússia contra a Ucrânia, através da sua conta no Telegram.
Finalmente, acrescente-se que a proibição dos partidos não implicou a perda de mandato dos seus deputados. A 21 de abril, o parlamento ucraniano oficializou a criação de um novo grupo parlamentar com 25 dos 43 deputados da Plataforma de Oposição – Pela Vida. Este grupo chama-se Plataforma Pela Vida e Pela Paz. Dezassete destes 25 deputados votaram a favor da extinção dos 11 partidos, a que se juntaram mais cinco deputados também ex-membros da Plataforma de Oposição, que decidiram manter-se em funções como independentes.
Ou seja, além estes partidos estarem muito longe de representarem “44% do eleitorado”, a maioria dos deputados continua no parlamento, a representar o povo que votou neles. Apenas não em nome daqueles partidos.