“Ou perdemos na Ucrânia ou começa a Terceira Guerra Mundial”, declarou, na quarta-feira, Margarita Simonyan, editora-chefe da emissora estatal Russia Today (RT) e uma das principais representantes dos órgãos de comunicação russos. Simonyan, que assume também o papel de comentadora no canal que dirige, assegurou ser “mais realista” um cenário de Terceira Guerra Mundial do que o Presidente russo desistir da guerra na Ucrânia, a que se refere como operação militar, tendo em conta as ações e comportamentos de Vladimir Putin.
“O desfecho mais incrível é que tudo terminará com um ataque nuclear. Parece-me mais provável para mim do que outro curso dos acontecimentos”, admitiu Simonyan, considerada uma das propagandistas mais influentes do Kremlin. A editora acrescentou ainda que a possibilidade de tal acontecer a “aterroriza”, mas que, por outro lado, “é o que é”, frisando que, qualquer que seja o desfecho, os russos “vão para o céu” ao passo que os restantes vão “simplesmente resmungar”.
Numa publicação do Facebook, Simonyan voltou a repetir as ameaças. “Os anglo-saxões oferecem publicamente à Ucrânia armas para transferir os combates para o território russo”, afirmou, questionando depois: “Que escolha nos deixam, idiotas? A destruição completa do resto da Ucrânia? Um ataque nuclear?”
As ameaças da editora do canal RT, entretanto proibido na Europa sob o pretexto de se tratar de propaganda russa controlada por Putin, seguem um conjunto de avisos que, nos últimos dias, têm sido feitos por várias personalidades próximas do Kremlin e pelo próprio Vladimir Putin. Um dia antes do comentário em direto de Simonyan, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, já havia precavido o Ocidente de que um ataque nuclear russo não deveria ser subestimado, sublinhando que existem “riscos consideráveis” de tal acontecer. “Eu não quereria exagerar esses riscos artificialmente. Muitos gostariam disso. Este perigo é sério, real. E não devemos subestimá-lo”, anunciou Lavrov, referindo-se à ameaça nuclear, numa emissão em direto da televisão estatal na terça-feira à noite.
O ministro foi ainda questionado se o atual impasse entre a Rússia e o Ocidente poderia ser comparado à crise dos mísseis de Cuba, um dos momentos de maior tensão vividos no auge da Guerra Fria no qual se elevou o risco de uma guerra nuclear. Savrov garantiu que a situação atual era mais perigosa dado o avanço na tecnologia nuclear. “Durante a crise dos mísseis de Cuba, não havia muitas regras “escritas”. Mas as regras de conduta eram bastante claras. Moscovo entendia como Washington estava a agir. Washington entendia como Moscovo estava a agir. Agora restam poucas regras”, explicou.
Entre muitas ameaças, a Rússia tem procurado também transparecer estar na posse de um grande arsenal de grande potência. Putin já anunciou, inclusive, ter apostado num novo míssil intercontinental balístico a que deu o nome de Satanás II. A declaração deixou-se acompanhar de um aviso: “Nós temos todas as ferramentas para isto – algumas de que ninguém se pode gabar. Mas nós não nos vamos gabar. Nós usá-las-emos se necessário. E eu quero que toda a gente saiba disso”. “Nós já tomámos todas as decisões nisto”, assegurou ainda o Presidente russo.
O míssil Satanás II pode transportar até 10 ou mais ogivas nucleares, segundo informação partilhada pelo Kremlin. De acordo com informações do The Independent, vários especialistas já alertaram para a capacidade que a ogiva tem de atingir o Reino Unido , a Europa e os EUA. Putin afirmou ainda que o míssil, que, durante os testes realizados, atingiu alvos a cerca de 6 mil quilómetros, é capaz de resistir a qualquer defesa que exista com base na tecnologia atual.
“O novo complexo tem as mais altas características táticas e técnicas e é capaz de superar todos os meios modernos de defesa antimísseis. Não tem análogos no mundo e não terá por muito tempo”, assegurou o Presidente num briefing em vídeo.
O Ocidente continua a reagir com a implementação de sanções contra a Rússia. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, declarou, no início da semana, que a Ucrânia receberá todas as armas necessárias para “ganhar” a guerra e “enfraquecer” a Rússia a ponto de esta não poder atacar novamente. Liz Truss, secretária de defesa britânica, expôs, também esta semana, todas as condições da vitória ucraniana, assegurando que a entrega de armas “continuará a ser feita e de forma mais rápida de modo a expulsar a Rússia de toda a Ucrânia”.
As palavras da secretária inglesa levam a crer que a vitória ucraniana implica não apenas retomar as regiões ocupadas pela Rússia desde que Putin, há cerca de dos meses, ordenou a invasão, mas também retomar as regiões atacadas e anexadas em 2014, nomeadamente a Crimeia, Donetsk e Luhansk. Truss alertou ainda que o Ocidente deve estar preparado para uma guerra a “longo prazo”, devendo ser tomadas todas as providências para que Putin não seja bem-sucedido dado que isso trará uma “miséria incalculável em toda a Europa e consequências terríveis em todo o mundo”. Algumas dessas consequências já se fazem sentir com os preços de vários bens, incluindo a energia a gás, a subirem consideravelmente resultado dos elevados níveis de inflação. O efeito da guerra tem-se feito sentir na economia de múltiplos países, seja direta ou indiretamente.
O presidente russo já veio também assegurar que “se alguém de fora tiver intenções de interferir com o que se está a passar (a guerra na Ucrânia) eles devem saber que isso constitui uma ameaça estratégica inaceitável para a Rússia”, explicou o Presidente, acrescentando: “Devem saber que a nossa resposta aos contra-ataques será tão rápida como um relâmpago”.
A ameaça não inclui uma referência direta a armas nucleares, mas muitos interpretaram-na como tal. A narrativa nuclear que se tem intensificado é parte de uma propaganda ampla do Kremlin que tem sido divulgada nas televisões estatais e que transparece que a Rússia se encontra num conflito mais abrangente com a OTAN, pronunciando, assim, uma Terceira Guerra Mundial.
A apresentadora televisiva e porta-voz do Kremlin Olga Skabeeva terá inclusive dito, na terça feira, que a organização de um grupo na Alemanha dedicado a coordenar o envio de armas à Ucrânia constituía uma declaração de guerra. “Declararam uma guerra”, disse durane uma emissão. “Terceira Guerra Mundial, não mais apenas uma operação especial, com quarenta países contra nós”. Mikhail Markelov, especialista em ciência política, não só concordou com Skabeeva como acusou os 40 países de serem “o Hitler coletivo de hoje”.